O futuro sistema de defesa contra enchentes no centro de Porto Alegre, previsto no edital de concessão do Cais Mauá à iniciativa privada e que deve substituir o muro da Mauá, vai exigir envolvimento maior dos gestores para garantir o mesmo nível de proteção da atual estrutura. A constatação está destacada nos documentos técnicos que acompanham o edital.
A derrubada do muro está prevista no documento publicado pelo governo do Estado em 18 de setembro, assim como a sua substituição por um novo sistema, composto por uma parte fixa — um piso elevado — e outra móvel — com diques removíveis (veja detalhes mais abaixo).
O material intitulado “Diretrizes para o projeto de sistema de proteção contra as enchentes” destaca que não há nada no uso de diques móveis que atente contra a efetividade dessa tecnologia. Acrescenta, contudo, que essa proteção “só é conquistada com uma boa institucionalidade, ainda mais numa concessão de 35 anos”.
Em outras palavras, o estudo prevê que a substituição do muro da Mauá por um sistema que depende de montagens e desmontagens vai demandar mais manutenção e gestão.
“Um dique móvel requer mais cuidados que um dique fixo e esta condição ao longo do tempo fica cada vez mais discernível. Assim, a parceria público-privada deve estruturar-se para responder e atender adequadamente as demandas da população, órgãos públicos e investidores quanto à percepção permanente de segurança que o dique móvel deve transmitir”, diz trecho do documento.
Mais adiante, o estudo reforça a ideia de que a segurança do novo sistema passa pela continuidade da gestão dos diques móveis, independentemente de trocas de governos e de investidores. “Não pode haver esmorecimento ou cansaço na manutenção da efetividade com trocas de governo, de investidores e mudanças de percepção da população. Neste contexto será importante que sejam realizados treinamentos de montagem e desmontagem real do dique móvel, com alguma frequência”, diz outro trecho do documento.
"Em geral, não conseguimos demonstrar essa organização", diz hidrólogo
O professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Walter Collischonn avalia que a substituição do muro por outro sistema gera apreensão pelo fato de outras tecnologias exigirem maior organização de gestão.
— O temor que a gente tem é: um sistema simples como o muro, se for substituído por um sistema sofisticado, com paredes móveis, envolve uma logística complicada. Tem lugares na Alemanha que trabalham com paredes móveis, mas lá todos os anos há treinamentos, e isso implica em custos. Aqui, em geral, não conseguimos demonstrar essa capacidade de organização — disse Collischonn em entrevista ao programa Gaúcha Mais, da Rádio Gaúcha.
O hidrólogo afirma ainda que é possível debater a substituição do muro por novas tecnologias, mas que elas precisam garantir um nível de defesa semelhante ao muro, projetado para suportar uma enchente como a de 1941.
— Uma enchente como a que aconteceu em 1941 não está descartada para o futuro, e não podemos descartar um evento ainda mais intenso do que em 1941. Existe hoje um sistema (o muro) que, bem ou mal, funcionou nestes testes de 2015 e 2023 — acrescentou.
O estudo feito pelo Consórcio Revitaliza ainda lembra que manutenção e treinamento envolvem custos que precisam ser considerados pelas empresas que desejam assumir a gestão do Cais Mauá pelos próximos 35 anos.
Como é o projeto da nova estrutura
Atualmente, o sistema de proteção contra enchentes no Centro de Porto Alegre tem como elementos centrais o muro da Mauá — com três metros de altura — e suas 14 comportas. Nesta semana, com o Guaíba ultrapassando a cota de inundação, todas as comportas foram fechadas e sacos de areia foram usados como reforço.
O sistema projetado no edital de concessão do Cais Mauá para substituir o muro é composto por dois mecanismos — um fixo e outro removível. O primeiro deles é um piso elevado em 1m26cm, em formato de arquibancada, que se estenderia ao longo da maior parte do Cais, entre a margem do Guaíba e os armazéns. No dia a dia, esse piso elevado serviria de espaço de lazer e deslocamento de pedestres, integrando-se ao projeto urbanístico. Em caso de cheia, garantiria uma contenção da água até a altura de 1m26cm.
O segundo mecanismo seria instalado temporariamente sobre o piso elevado, em situações críticas de elevação das águas. Esta segunda camada de proteção poderia ser feita com tubos infláveis ou com diques móveis. O edital apresenta quatro soluções técnicas possíveis, chamadas de Aquadam, Aquabarrier, Aquafence e Inero (entenda cada uma delas no infográfico abaixo).
Independentemente da tecnologia móvel adotada, ela deverá ter ao menos 1m74cm para que, somada à elevação do piso, garanta os mesmos três metros de contenção do atual Muro da Mauá.
Vantagens do futuro sistema de proteção
O futuro sistema de proteção contra enchentes teria duas vantagens principais em relação ao atual muro. O primeiro é o fato de proteger o próprio Cais Mauá do avanço das águas.
No sistema atual, durante enchentes, o Guaíba avança sobre os armazéns tombados e as docas, e água é barrada apenas quando se depara com o muro (estendido entre o Cais Mauá e a Avenida Mauá). O futuro sistema vai impedir o avanço da água já às margens do Guaíba, evitando que os prédios históricos sejam prejudicados.
— O principal benefício do novo sistema de proteção é que ele estará próximo da beira do Guaíba, então continuará protegendo o Centro, mas protegerá também o próprio Cais, que hoje está desprotegido — destaca o secretário estadual de Parcerias e Concessões, Pedro Capeluppi.
A segunda vantagem seria a integração urbanística entre o Cais e o restante da cidade. Ao permitir a retirada do muro, o espaço às margens do Guaíba terá acesso e visualização liberados.
"Barreiras móveis e removíveis de proteção completarão o sistema proposto, garantindo o mesmo nível de proteção. Desse modo, o muro entre o Cais e a Avenida Mauá perderá a função de contenção, podendo ser removido para permitir a integração da área do Cais com o Centro Histórico de Porto Alegre", diz trecho do projeto principal de revitalização, presente no edital.