Pulseiras e colares dourados combinam com a pele escura que sai do vestido colorido de Perla Santos, 40 anos, professora de séries iniciais e pesquisadora da história negra. Vestida de rainha e com um turbante cobrindo as raízes dos longos cabelos, a acadêmica e empreendedora abraça, sorri e coloca uma coroa na cabeça de outras pretas que se aproximam dela para elogiar a beleza do look e do estande na ExpoFavela, na manhã desta sexta-feira (1º), na PUCRS. Além da roupa, Perla também produz e vende material escolar “afrobetizador”, com estética e conteúdo informativo sobre personagens heroicos e figuras da nobreza do continente africano.
Ela explica que a ideia surgiu quando ela percebeu que suas alunas do primeiro ano do Ensino Fundamental adoravam princesas com traços estéticos europeus. Perla conta que, na Restinga, na zona sul de Porto Alegre, onde atua, a maioria das turmas é negra e não encontrava nos livros didáticos figuras tão poderosas quantos os heróis e musas dos filmes que gostam. De conversas com as crianças, criou um jogo de cartas com personagens africanos inspiradores, que ajuda a ensinar História, Matemática e Português. Depois vieram lápis, canetas, borrachas, marcadores de páginas e até cadernos com os rostos e informações sobre 54 membros de famílias reais de países africanos, além de personalidades pretas importantes na história brasileira.
— É uma maneira de contar a história que a escola ainda não ensina. É importante mostrar a África como o continente rico que é, e de história gloriosa — destaca.
Os resultados com as crianças foram tão bons que ela resolveu investir nisso. Em 2022 ela comprou impressora e fez curso de design gráfico e desde então se vira como pode para conciliar as horas dentro da sala de aula com a venda dos produtos e consultoria. Outros professores, pais de alunos e até mesmo secretarias de Educação utilizam o material dela com histórias negras para desenvolver consciência e autoestima de estudantes que crescem em periferias.
— A gente se acostuma a ouvir que os negros foram escravos. Mesmo as histórias mais nobres ainda são de luta e resistência a abusos. Eu mostro que os negros e as negras também foram príncipes e princesas, reis e rainhas poderosos, que amam e merecem sentir coisas boas — explica Perla Santos.
Conexões
— Tu tá vendendo esse lápis lindo que tu mesma faz a R$ 2,50? Tá muito barato, vamos aumentar este preço, hein? Não é um lápis que as pessoas compram para usar em qualquer lugar, tem muito conhecimento e horas de tua dedicação nele — aconselha a empreendedora e educadora financeira Dinamara Prates, a Dina, 31 anos, vizinha de estande de Perla.
Administradora, contadora e mestre em sociologia, Dina ministra turmas, palestras e mentorias individuais para pessoas físicas e empresas que estejam em fase inicial de trajetória. Ela atuou até 2018 no ambiente corporativo, onde não se sentia valorizada. Para a empreendedora, o meio das finanças era racista e pouco inclusivo para quem vinha da periferia. Após fazer um curso de educação financeira, começou a atuar como consultora informal de amigos e familiares. Esta atuação ganhou corpo em 2019, e ela voltou a ter contato com o ambiente corporativo, mas com maior possibilidade de fazer a diferença, ao vender um pacote de aulas para uma empresa de abrangência nacional.
— O meu método foca em educação financeira comunitária, considerando os contextos familiares e vai além das máximas que indicam o quanto é preciso economizar da renda, pois sabemos que a vida na periferia tem outros parâmetros. É preciso construir um senso de comunidade independente da região geográfica em que estamos. Falo de sonhos com minhas turmas, mostro as possibilidades futuras a partir de ações no dia presente, desmistificando o dinheiro — diz Dina, que distribui cofrinhos e moedas de chocolate as visitantes do estande, com a provocação: “O que você fez pelo seu sonho hoje?”
Favela diversa
Ao longo da conversa, pelo menos três pessoas diferentes abordaram Dina para agradecer a ela por aulas ou indicações feitas ao longo dos últimos cinco anos de atuação em comunidades de Porto Alegre. Uma delas era Miro Silva, 32 anos, da Bom Jesus, zona leste da Capital, pessoa empreendedora que se identifica com gênero neutro.
Ao terminar o Ensino Fundamental na Escola Estadual Antão de Faria, Miro viajou no estilo "mochilão" pela Argentina, entre 2013 e 2016. Lá, trabalhou com fotografia. Voltou sentindo frustração, por conta da curta vida útil de componentes eletrônicos e computadores necessários para a formação. Com cursos e aprendendo por conta própria, entendeu que poderia revitalizar computadores com problemas técnicos simples. A partir disso, Miro criou, em 2018, a escola livre Persépolis. O destino dos aparelhos recondicionados seria a própria escola onde enfrentou a escassez de recursos tecnológicos ao longo dos seus anos como estudante.
— Aproximamos empresas que têm material para descarte e alunos da periferia que podem aprender a fazer a manutenção nestes aparelhos. Entregamos para a escola usar um material sem quase nenhum custo. A favela tem talento, falta a oportunidade e a ferramenta certa — comenta.
Assim como Miro, Dina e Perla, outra centena de expositores orna seus estandes com produções manuais e serviços em diferentes ramos. O traço comum entre todos é utilizar recursos, materiais e humanos, disponíveis nas favelas para obter retorno financeiro, ao mesmo tempo em que qualificam os negócios nas comunidades.
Serviço:
- O que? ExpoFavela 2023
- Quando? Sexta (1º) e sábado (2), das 10h às 18h
- Onde? Centro de Eventos da PUCRS (Avenida Ipiranga, 6681, Prédio 41)
- Quanto? Entrada gratuita