São 10h deste sábado (11) de sol. Cerca de 30 pessoas chamam atenção em frente ao Cemitério da Santa Casa, em Porto Alegre. As pessoas não vestem preto, não estão tristes e parecem curiosas. Logo, chega um senhor com um megafone para conduzir o grupo. Assim começa mais uma edição do passeio guiado Viva o Centro a Pé. Desta vez, com foco na arte e no patrimônio do cemitério.
Orientados pelo historiador de arte e especialista internacional em arte pública, José Francisco Alves, que também é professor de escultura no Atelier Livre, os visitantes percorrem o cemitério com o olhar atento. As paradas são estratégicas, diante de túmulos que chamam atenção pela beleza, pelo tamanho e, principalmente, pela importância histórica.
— O meu enfoque sempre é na arte cemiterial e, dentro disso, nas esculturas públicas. A arte cemiterial se enquadra na arte pública porque são espaços abertos, ao ar livre, para a circulação das pessoas. Isso acontece em cidades do mundo todo. Através dessas obras, que são muitas e que têm grande qualidade, é possível compreender aspectos da história da escultura, dos homenageados, dos artistas, enfim, há muitos aspectos a serem vistos e analisados. O objetivo é mostrar isso para os visitantes — conta José Francisco.
Um dos pontos abordados são os monumentos públicos que estão no Cemitério da Santa Casa, o mais antigo da Capital.
— Há túmulos que são de propriedade do Estado porque os monumentos foram pagos pelos cofres públicos. São homenagens a personagens da vida política da cidade, do Estado e do país. Alguns são tão imponentes que poderiam estar em praças e museus, mas estão em cemitérios. Pelo tamanho, pelo alto custo que tiveram e pela importância artística — explica o especialista.
Nesta categoria, estão, por exemplo, os túmulos de líderes políticos do século passado, como Júlio de Castilhos e Pinheiro Machado, e artistas, como Iberê Camargo e o músico Vítor Matheus Teixeira, o Teixeirinha. A grandeza e os detalhes tão bem feitos fazem com que estes jazigos sejam os mais fotografados.
Histórias
Uma das grandes obras do cemitério é o túmulo do ex-senador gaúcho Pinheiro Machado, que foi assassinado em 1915. O tamanho, a beleza e a riqueza de detalhes impressionam os visitantes. O conjunto de esculturas começou a ser feito em 1916 e ficou pronto em 1923, quando foi entregue para o então governador Borges de Medeiros.
— O túmulo do Pinheiro Machado é um monumento grandioso em termos nacionais e internacionais, com muito destaque e reconhecimento por quem estuda a arte cemiterial. É cercado de aspectos interessantes: a história do túmulo, do homenageado e do escultor, o português Rodolfo Pinto do Couto. Ele era um escultor modelador. Então, uma parte da obra foi feita em Porto Alegre, outra no Rio de Janeiro, mas a etapa final, que foi a fundição do molde em bronze, aconteceu em Florença, na Itália. É um processo bem complexo e muito caro. Foram muitas idas e vindas de navio, até que o monumento veio pronto da Europa. Chegou enorme desse jeito ou, no máximo, em duas partes. Houve uma inauguração pública, com o cemitério lotado — detalha o historiador.
Bastidores históricos como estes são o que levam muita gente ao passeio. É o caso da aposentada Náira Michel, moradora de Porto Alegre.
— Eu vim por curiosidade e amor à arte. Fiquei sabendo por uma amiga e decidi me inscrever. Eu não sabia que alguns escultores não esculpem, que fazem "apenas" os moldes. É o caso do Auguste Rodin, segundo ele disse. Vivi até hoje para descobrir isso! Tem muita coisa bonita que eu nunca tinha visto. Pelos túmulos, as pessoas demonstram poder até depois da morte — reflete Náira.
Como participar
Após a pandemia, a coordenação do passeio orientado Viva o Centro a Pé passou a ser feita pelo Atelier Livre Xico Stockinger, que é uma escola de artes visuais da Prefeitura de Porto Alegre, integrada à Coordenação de Artes Visuais da Secretaria Municipal de Cultura.
As atividades não têm cronograma fixo, segundo o professor José Francisco Alves, por isso é bom ficar atento às redes sociais do atelier, como Facebook (Atelier Livre Xico Stockinger) e Istagram (@alivrepoa). Normalmente, como neste sábado, o ingresso é um quilo de alimento não perecível. As vagas são limitadas e as inscrições devem ser feitas com antecedência.