Ao solicitar uma corrida por aplicativo, uma moradora da zona sul de Porto Alegre expôs a violência sofrida em casa. Assim que o condutor aceitou o chamado, recebeu uma mensagem no bate papo da plataforma, onde a passageira dizia: “Moço, tu aceita corrida pra próxima". Em seguida, outra frase: "Por favor, preciso sair daqui". Em mais uma, afirmou: "Meu marido me bate”. Com palavras abreviadas, completou: "Não tenho dinheiro para pagar".
Lucas Alexandre Pereira Bettio, 22 anos, respondeu que isso não seria um problema, e em poucos minutos chegou ao destino (o endereço e a identidade da mulher são omitidos para não expor a vítima). À reportagem de GZH, o motorista admitiu ter se assustado ao ler o relato da passageira, mas garante não ter pensado em negar o socorro:
— Foi um choque. A gente pensa: “Será que isso tá acontecendo mesmo?”.
Enquanto se deslocava para buscar a passageira, Bettio enviou prints da conversa para a esposa, que também reagiu com espanto e preocupação, mas o incentivou a continuar no trajeto. Segundo o condutor, a vítima entrou de forma acelerada no veículo e estava com o rosto inchado, "de chorar ou de alguma agressão", diz, incerto. Ele perguntou se ela estava sendo seguida e se o agressor estava no imóvel. Nervosa, a vítima acabou não respondendo aos questionamentos, e os dois continuaram a viagem.
Bettio tentou acalmá-la, orientou que buscasse ajuda com a polícia e recebeu acenos de concordância da vítima.
— Para a mulher, isso é muito difícil. Coisa que não deveria acontecer. Era um momento delicado, ela não queria conversar, mas eu tentava, porque presenciei muito isso na minha infância — detalha o motorista, dizendo ter testemunhado esse tipo de violência na sua própria casa quando criança.
Ele deixou a mulher em uma outra casa, provavelmente de um parente ou de algum amigo, acredita o profissional. Não se falaram depois deste dia.
— Espero que ela esteja bem e que tenha sido ajudada, pois ela deu a entender que a violência era frequente — complementa o condutor.
Repercussão nas redes
O caso ocorreu na segunda quinzena de janeiro, mas foi compartilhado recentemente no Instagram do motorista. Em dois dias, alcançou 800 comentários e mais de 30 mil visualizações no story da rede social.
Além do alcance, recebeu apoio de pessoas que não o conheciam.
"Como mulher, gostaria de lhe agradecer", escreveu uma seguidora. "Quanto custou a corrida? Eu posso fazer o Pix caso não tenha sido paga ainda", ofereceu outra mulher. O condutor não cobrou pela corrida, que custou R$ 19.
Posts subsequentes ao seu viralizaram, alguns com quase 2 mil comentários. O story do próprio motorista já havia ultrapassado 30 mil visualizações, em menos de 24 horas.
Não foi a primeira vez
Essa não foi a primeira experiência flagrada pelo motorista, cadastrado há meio ano nos aplicativos Uber e 99.
— Uma vez, cheguei no local e um casal estava discutindo. Ele não deixou ela embarcar. Não vi agressão, mas só o fato de não deixar ela entrar no carro já é grave — define.
Bettio espera ser um espelho para o filho Davi Lucas, dois anos e meio:
— Eu penso nele e penso na minha esposa. Quero dar o exemplo, para que ele viva o contrário disso — deseja.
O que dizem as operadores de transporte
GZH procurou as duas operadoras de transporte por aplicativo que atuam no Estado.
A 99 elogiou a atitude do colaborador e informou que, desde 2021, está em atividade o “99 Mais Mulheres”, programa que dá suporte em casos como esse: com o código DELEGACIADAMULHER, é gerado um valor de R$ 15. Basta incluir o cupom, digitar “Delegacia da Mulher” no destino, e a usuária será direcionada à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) mais próxima.
Em nota, a Uber definiu a violência de gênero como “um problema social complexo e sistêmico”, e informou que opera, desde 2018, a assistente virtual Ângela, criada em parceria com o Instituto Avon. Para buscar orientação e códigos promocionais para viagens gratuitas, é necessário salvar o número (11) 94494-2415 nos contatos do WhatsApp. Mais detalhes neste link.
Como denunciar
- Para comunicar casos de violência contra a mulher, ligue para o telefone 180 do governo federal ou contate o Disque-Denúncia pelo 181.
- A Polícia Civil do Rio Grande do Sul também tem um WhatsApp para atendimento. O número é (051) 98444-0606.
- Além disso, há os Centros de Referência da Mulher, delegacias especializadas, Defensoria Pública e Promotoria de Justiça, inclusive on-line, pelo site do Ministério Público.