Localizada em frente à Usina do Gasômetro, no Centro Histórico de Porto Alegre, a Praça Júlio Mesquita tem sido causa de dor de cabeça para moradores e comerciantes do seu entorno. Há relatos de vandalismo, trânsito caótico, estacionamentos irregulares, intimidações por flanelinhas, pessoas urinando e defecando pelos cantos, lixo jogado na grama e até cenas de sexo ao ar livre.
Eleito prefeito da praça no ano passado, Waldo Dias vive na região desde 2011. É proprietário do Aloha – um misto de bar, espaço de festas e estacionamento –, localizado na Rua Washington Luiz, quase em frente à Praça Júlio Mesquita. Segundo ele, como há poucos banheiros na orla do Guaíba, há quem vá até a praça para urinar ou defecar. Aliás, chama a atenção um cartaz no Aloha com os dizeres “Não temos banheiro”, cuja finalidade é desestimular o apelo de não clientes.
— O público consome na orla e vem usar os banheiros do comércio daqui, achando que somos obrigados. Os moradores não aguentam mais. Não só a praça, mas as casas e os prédios são usados como mictórios — desabafa.
Morador da Rua General Salustiano há 18 anos, onde mantém um estacionamento com bar – Garagem do Kit –, João Eloia Filho corrobora com Dias.
— Querem usar um banheiro e não tem. Se formos abrir as portas para todo mundo, daí não dá. Daqui a pouco, tu mesmo não vais querer utilizar o próprio banheiro — reflete.
No entanto, essa queixa não se limita aos comerciantes. Moradora de um condomínio quase ao lado do estacionamento de Filho, Gema Masiero, 67 anos – sendo 30 vivendo no local –, presenciou recentemente uma cena escatológica.
— Esses tempos, eu estava saindo do prédio e chegou um cara que, na minha frente, abaixou as calças e fez cocô no chão — descreve. — O que vou dizer? Não podia fazer nada — completa.
Segundo Dias, já foi solicitado banheiro na praça por meio da Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico, na última reunião do Orçamento Participativo da região Centro. No domingo (11), a reportagem de GZH observou, por volta das 16h, um homem urinando em um poste, agachado, enquanto era observado pela filha pequena.
Em uma caminhada pela praça e seus arredores, foi possível encontrar todo tipo de lixo — copos plásticos, latas, tênis, caixa de leite, isopor de marmita e até uma televisão de tubo espatifada. Havia também ônibus estacionado onde não é permitido. Moradores, que optaram por não se identificar, relatam a constante ação intimidante de flanelinhas no local.
A comerciante Heloisa Merib, proprietária do Boteco Orla 388 – que há dois anos ocupa um ponto na Rua General Salustiano –, cita que o trânsito se torna caótico aos domingos.
— O fluxo aqui deveria ter só um sentido. Estacionam em lugar proibido, o que gera tranqueira quando passa ônibus ou van. É sempre uma buzinada — queixa-se.
Os moradores relatam ainda que é comum flagrar pessoas, durante as madrugadas, fazendo sexo na praça. Heloisa lembra que, há poucos dias, presenciou uma cena de sexo ao sair do bar. Seu estabelecimento já foi arrombado uma vez este ano e sofreu nova tentativa no mês passado. Ela crê que o policiamento se concentra mais na orla, deixando a praça desassistida.
Quando a reportagem esteve na praça na tarde do último domingo, havia sempre duplas de brigadianos circulando pela região — tanto na Rua General Salustiano quanto na Avenida Presidente João Goulart.
Moradora da General Salustiano há sete anos, Maricelia Goldengberg afirma que os transtornos na praça se acentuaram de uns três anos para cá, mesmo com policiamento. Ela diz que a praça está cada vez mais suja e se torna alvo de vandalismo.
— Os balanços estão sempre tendo que ser consertados — exemplifica. — Não são as crianças que usam, mas sim os adultos — critica.
Para Maricelia, o policiamento deveria ser mais ostensivo nas noites de domingo, quando, segundo ela, ocorrem concentrações maiores de pessoas nos arredores da praça.
— Por morar em apartamento, essa praça serve como um pulmão para a gente. Às vezes, quero descer com a minha cachorra, à noite, mas não tenho coragem. Fico com medo. É muito bêbado ou homem mal-encarado. Me assusto um pouco mais — lamenta Maricelia.
O que diz a Brigada Militar
A reportagem de GZH questionou a Brigada Militar sobre os relatos de problemas na Praça Júlio Mesquita. Veja, abaixo, as respostas do capitão Carlos Alexandre Zuany Fontoura, comandante da 1ª Companhia, enviadas por escrito:
O que está sendo feito ou ainda precisa ser realizado para melhorar as condições do local?
— Há policiamento constante no local, estamos trabalhando em parceria com a prefeitura por meio de órgãos como Departamento Municipal de Limpeza Urbana para ofertar o melhor ambiente seguro para a população e também com a Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania) para o apoio à população de rua.
Como ocorre a presença da BM na Praça Júlio Mesquita? Diariamente, há brigadianos no local?
— A Praça Júlio Mesquita é localizada no eixo central da Capital onde há intenso fluxo de pessoas e veículos. A Brigada se faz presente com policiamento a pé, a cavalo, bicicletas e sempre que acionada em alguns minutos estamos presentes no local.
Há dados de abordagens ou detenções ocorridas no local?
— Percebe-se que, paulatinamente, a massa da população que reside na rua vem crescendo, e também nos gera dificuldade na atuação quanto aos flanelinhas, uma vez que não temos legislação proibitiva que sancione o ato específico do flanelinha; quando os policiais são acionados e abordam, identificando os flanelinhas, eles migram para outro ponto, e assim, vão trocando de áreas dentro desses ambientes onde há uma concentração de público que vem estacionar os veículos, como a orla, praças e parques. A Brigada continua sempre que acionada realizando abordagens e identificações. Ao decorrer de 2022 foram geradas 61 pastas para atendimento de ocorrências de perturbação e aglomeração de pessoas. Até o momento já ocorreram cinco prisões em flagrante e seis prisões por posse de entorpecentes, bem como inúmeras abordagens.
O que diz a Guarda Municipal
A reportagem de GZH questionou o comandante da Guarda Municipal, Marcelo Nascimento, acerca de ações que coíbam ações de vândalos e como funciona o policiamento na Praça Júlio Mesquita. Confira o que ele disse:
Como a Guarda Municipal age na praça?
— É muito importante que a população colabore com as denúncias. Este é um ponto de muita importância para a gente, fica próximo ao trecho 1 da orla. Efetuamos patrulhamento constante na região, especialmente em relação aos flanelinhas e aos ambulantes irregulares. Se o guarda municipal flagrar qualquer um fazendo um desses atos, ele vai agir. Caso o guarda não flagre essas ações, a população pode ligar para os telefones 153 ou 156, que enviaremos a viatura mais próxima para coibir esse tipo de ato. A Guarda Municipal sempre vai privar pela orientação e pelo diálogo, mas se for necessário usar mais energia, o guarda, dentro de toda legalidade possível, usará com certeza. O importante é que a gente garanta o bem-estar da população e o livre uso dos espaços públicos por ela.
Como funciona no dia a dia o policiamento?
— A Guarda Municipal faz patrulhamento regular naquela área, todos os dias, 24 horas. Aumentamos nos finais de semana, quando temos um aumento significativo de pessoas ali. Durante a noite, temos recebido bastantes denúncias, nos últimos finais de semana, de perturbação, aglomerações com barulho alto que incomoda a vizinhança daquela região. Temos ido ao local com a Ronda Ostensiva Municipal (Romu) para fazer a dispersão desse problema.
O que diz o DMLU
Em relação aos relatos de lixo espalhado pela praça, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) disse, por nota, o seguinte:
"O Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) informa que a limpeza da Praça Júlio Mesquita é realizada diariamente, inclusive aos finais de semana. Nas madrugadas de sexta para sábado e de sábado para domingo, uma equipe composta de seis garis realiza a tarefa e a deixa limpa".
O que diz a Smamus
Questionada sobre a possibilidade de serem instalados banheiros públicos na praça no futuro, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) respondeu, por nota:
"A Prefeitura de Porto Alegre informa que assinou um contrato com a empresa São Paulo Parcerias, com o objetivo de ajudar a estruturar o projeto para implantar sanitários públicos fixos na Capital, por meio da iniciativa privada. O termo inclui serviços de consultoria e assessoria técnica especializada para garantir suporte à estruturação de projeto para viabilizar a concessão, implantação e manutenção de sanitários".