A instalação de um letreiro luminoso no Morro da Polícia, localizado na zona leste de Porto Alegre, pode prejudicar a flora e a fauna do local. Cactáceas, orquídeas e bromélias de campo, assim como gambás, serpentes, lagartos, corujas, aves noturnas e outros animais seriam impactados de forma significativa pela estrutura de 142 metros de comprimento com letras de 14 metros de altura. Esta é a análise do professor Paulo Brack, do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— No Morro da Polícia, identificamos 25 espécies de plantas ameaçadas de extinção, a maior parte delas em campo. Me parece que isso cria um precedente e descaracteriza a paisagem — alerta o docente, que integra o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam) pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá).
Segundo o botânico, o morro escolhido para abrigar o letreiro com o nome de Porto Alegre, nos mesmos moldes do existente em Hollywood, no Monte Lee, em Los Angeles (EUA), deveria ser aproveitado para outros fins.
— O Morro da Polícia poderia ser utilizado mais para turismo. A proposta que estamos vendo é um pouco megalomaníaca. Traz impacto visual — critica, dizendo que já solicitou discussões sobre o tema na Câmara Técnica de Áreas Naturais e Paisagem Urbana do Comam.
A reportagem de GZH esteve recentemente no topo do Morro da Polícia, que possui 287 metros de altitude e também é conhecido como Morro da Embratel. Além das antenas, há vegetação natural e pouca infraestrutura no entorno do ponto previsto para abrigar o letreiro na cor branca. No projeto, também está prevista a construção de um mirante para contemplação.
— Os topos de morros são Áreas de Preservação Permanente (APPs) pela legislação do Código Florestal. Considerando que é uma área natural, descaracterizaria muito. Por outro lado, temos que incentivar o turismo. Mas não com uma coisa nessas dimensões — observa, acrescentando: — Se for o caso de colocar o letreiro, que haja discussão no Conselho e com outros setores. Queremos um regramento, não simplesmente fazer uma coisa propagandística e que não passe pela discussão técnica.
Questionado sobre o que os ambientalistas pretendem fazer se o assunto não for discutido no Comam, Brack antecipa:
— Se não houver retorno do secretário (Germano Bremm, da Smamus), vamos para o Ministério Público. Infelizmente, vamos ter que recorrer à Justiça para garantir a discussão com a sociedade. Isso é um precedente e uma descaracterização da paisagem natural.
Responsável pelo referencial Atlas Ambiental de Porto Alegre, o geólogo e professor da UFRGS Rualdo Menegat também é contrário à ideia de um letreiro no morro.
— A instalação de um letreiro luminoso no Morro da Polícia traz uma contradição ambiental imensa — diz, salientando que os morros da cidade integram a paisagem tanto quanto o Guaíba.
Como o colega botânico, o geólogo também cita que os topos dos morros são APPs, lembrando que os arroios nascem nesses locais e deságuam no Guaíba.
— Lá estão as formações pioneiras campestres de Porto Alegre — pondera, citando as presenças de espécies de plantas, matas e paisagens rupestres.
Menegat, que se refere ao possível letreiro usando palavras como “cafona, jeca e monstruosidade”, acredita que qualquer propaganda no Morro da Polícia terá efeito contrário ao esperado.
— Os porto-alegrenses certamente vão rejeitar as propagandas que desfiguram a sua paisagem — prevê.
Bióloga e presidente da Fundação Gaia, Lara Lutzenberger acredita que o morro oferece outras possibilidades.
— Em princípio, parece-me extravagante e desnecessário. Eu defenderia a oferta de trilhas ambientais nos morros, com mirantes para a cidade e informações esclarecedoras sobre a geologia e a paisagem natural da nossa cidade. Algo que levasse a população e os turistas a valorizarem e protegerem o cenário natural e a inserção da cidade neste — reflete.
O projeto voluntário do letreiro está sendo desenvolvido para a prefeitura de Porto Alegre pelos arquitetos Alan Furlan e Eliana Castilhos, pela empresa Capsula.ARQ. Em todos os contatos com a reportagem, Furlan afirmou que o letreiro não causará impacto ambiental e que nenhuma árvore será derrubada para a instalação da estrutura.
O orçamento estimado do letreiro é de R$ 1,3 milhão, mas o dinheiro não sairá dos cofres públicos. Neste momento, a prefeitura procura por investidores para tirar o projeto do papel.
O que diz a prefeitura
Questionada se existe discussão em torno do projeto do letreiro no Morro da Polícia, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) respondeu, por nota, o seguinte:
“A Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) informa que o Conselho Municipal de Meio Ambiente está em recesso até fevereiro e ainda não teve o tema em questão pautado nas reuniões. Caso seja pautado, será discutido sem qualquer restrição.
A Smamus informa ainda que não há solicitação para autorização ou licenciamento dessa estrutura em Porto Alegre. Por isso, não há condições de emitir manifestação acerca da necessidade de estudo ou outra exigência do gênero”.
Veja pontos que a legislação considera Área de Preservação Permanente (APP):
Lei nº 12.651/2012 (artigo 4, incisos IX e X):
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
Confira a lei neste link.
Lei Orgânica do Município de Porto Alegre (artigo 245, incisos II e III):
II - a cobertura vegetal que contribua para a resistência das encostas a erosão e a deslizamentos;
III - as áreas que abrigam exemplares raros, ameaçados de extinção ou insuficientemente conhecidos, da flora e da fauna, bem como aquelas que servem de local de pouso, abrigo ou reprodução de espécies migratórias;
Parágrafo Único - Nas áreas de preservação permanente não serão permitidas atividades que, de qualquer forma, contribuam para descaracterizar ou prejudicar seus atributos e funções essenciais.
Confira a lei neste link.