Sete artistas LGBT+, três cidades distintas e a proposta de falar sobre processos de criação em meio à pandemia e de explorar a arte no meio da rua. É isso que mostra o documentário Corpos/Cidade, realizado por meio de um edital de fomento à cultura da Secretaria Estadual da Cultura e da Fundação Marcopolo. A produção estreou em setembro de 2021 e é fruto de uma pesquisa de criação em dança tocada pela artista Kanauã Nharu, 30 anos, natural de Blumenau, Santa Catarina, mas moradora do Rio Grande do Sul desde os 16. Há cerca de oito anos, vive em Canoas.
— Acho que a inspiração da cidade para mim são os artistas, porque o que me segura, por exemplo, hoje em Canoas é poder fazer a cidade respirar arte — destaca.
Ainda no ano passado, o documentário foi selecionado para o festival 6° Corpografias, em Minas Gerais. No início de 2022, foi exibido em festival da Lift-Off Global Network, no Reino Unido, e no Clapperboard Golden Festival, evento internacional em São Paulo. Hoje, está na lista de obras que fazem parte da programação de um festival da Grécia — o Independent Video Film Festival of Youtube Art Club Pavlos Paraschakis — em outubro. Na ocasião, jurados vão escolher os melhores de cada categoria, premiando os vencedores.
Proponente e diretora do projeto, Kanauã tem a arte atrelada a sua própria identidade. A artista nasceu com outro gênero e outro nome. Por volta de 2014, começou a conhecer mais suas origens, quando, ao interpretar uma personagem indígena em um espetáculo, conversou com a família sobre sua árvore genealógica. O resultado: descobriu que sua bisavó nasceu e viveu parte da infância em uma aldeia.
Por trás da obra
Decidiu, então, levar a bisavó ao local de origem, momento que a artista descreve como um dos "mais lindos" que já viveu. Na aldeia, recebeu o nome "Kanauã", que significa "aquela que dança sobre o fogo", explica. Já "Nharu", palavra que remete a "espírito do trovão", ela quem escolheu.
— Depois de fazer esse resgate familiar, que é da questão da família indígena, e também de me identificar como uma pessoa não binária (que não se reconhece no gênero masculino nem no feminino, podendo transitar entre os dois), eu alterei os meus dados de registro na minha certidão de nascimento — conta a artista, que hoje prefere ser chamada por pronomes femininos.
A busca por um espaço de acolhida diante da sensação de não pertencimento em questão de gênero e de sexualidade levou Kanauã a ter contato com a dança por volta dos 15 anos. Aos 17, entrou em um grupo profissional, passando a fazer apresentações fora do Estado. Hoje, é formada em Dança pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e está cursando Teatro na mesma instituição. Na sua arte, busca falar sobre denúncias, deveres, direitos e raízes, relacionando principalmente a população LGBT+.
Produção na pandemia
A aproximação com o formato audiovisual iniciou na pandemia, quando Kanauã decidiu se qualificar na área. Desse processo, surgiu a série documental 8 Luas, sobre oito artistas de áreas como moda, teatro, dança e artes visuais, trazendo relatos sobre seus processos artísticos sendo feitos de casa, assim como sobre saúde mental e preconceito.
Um dos apoiadores do trabalho é o Sesc Canoas, que, por meio do projeto Cine Clube, exibiu um dos episódios da série. Na época, julho de 2021, a exibição ocorreu em uma plataforma online a quem se inscreveu para participar. Após, foi feito um bate-papo com os espectadores, contando com a presença de integrantes da equipe criadora.
Agente de cultura e lazer do Sesc Canoas, Simone Luz Constante elenca dois motivos principais para o apoio a esse projeto. Um deles é o que entende como "potência" desta obra trazer, de forma poética, discussões sociais, relacionadas a gênero, sexualidade e questões étnico-raciais, por exemplo.
— Ela trouxe outras artistas, outras pessoas locais para participar da narrativa, e também dá visibilidade para essas artistas que são de Canoas e ali da região e que muitas vezes não são conhecidas nem na própria cidade, não tem esse espaço, esse reconhecimento, esse protagonismo — acrescenta.
Na sessão do Cine Clube, Simone lembra de ter visto parte do público emocionada e se identificando com as falas do episódio. Foi um "momento de muito acolhimento", define.
Preta Mina
Uma das pessoas que participou do bate-papo após a sessão foi a artista Danielle da Rosa Costa, 28 anos, mais conhecida como Preta Mina. Ela aparece tanto em 8 Luas, quanto em Corpos/Cidade. Moradora de Canoas, a artista começou sua carreira como bailarina e, desde 2018, trabalha com poesias, performance, música e artes plásticas, trazendo como temas a diversidade e a mulher negra. Sobre o Corpos/Cidade, diz estar feliz de ver a produção percorrendo o mundo e explica:
— Acabamos ocupando espaços da cidade e trazendo experimentações sobre como é sentir espaços que não são colocados como culturais. Por exemplo, eu tive filmagens, experiências, embaixo de uma ponte.
Nesta obra, o elenco é composto por artistas de Canoas, Porto Alegre e Montenegro. Além de Preta Mina, aparecem em cena, com produção e fotografia de Luana Terra: Fernanda Roggia, Luiz Manoel, Virgínia Cigolini, Ana Júlia, Matheus Schafer e Paula Solaris, artistas de áreas como teatro e música. O documentário está disponível no YouTube (no canal "Nharu Cultural") e na plataforma SulFlix, que contém produções gaúchas.
Produção: Isadora Garcia