A Brigada Militar (BM) reforçou o patrulhamento no projeto habitacional da Estrada dos Alpes, destinado a quilombolas no bairro Cascata, na zona sul de Porto Alegre. As 50 residências do local sofreram tentativa de invasão por homens armados no último fim de semana. Há suspeita de que uma facção criminosa tenha insuflado a ameaça de ocupação das casas, feita por mais de duas dezenas de pessoas, algumas das quais portando revólveres, segundo moradores do quilombo.
As famílias beneficiárias dizem ter repelido os invasores, mas temem nova ação e montaram um sistema de vigilância em rodízio, para evitar que os imóveis sejam mais uma vez invadidos.
Não é um incidente isolado. A reportagem de GZH descobriu que, das 11 áreas quilombolas identificadas em Porto Alegre, quatro sofreram tentativas de invasão ou depredações durante a pandemia.
A última foi na comunidade quilombola situada no alto da Estrada dos Alpes, uma das regiões com paisagem mais bonita de Porto Alegre. A área, cujo nome é Dona Edwirges, já está certificada pela Fundação Palmares como povoada por descendentes de escravizados. Além disso, teve concluído seu relatório técnico de identificação e o decreto de desapropriação por interesse social, pelo governo federal, em 2016. Depois, a comunidade conquistou acesso ao Minha Casa Minha Vida Entidades, projeto financiado pela Caixa Econômica Federal (CEF).
— Esses invasores chegaram no sábado e marcaram algumas das residências com um X. É um quadro complexo e grave — descreve Onir de Araújo, advogado da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, que solicitou providências à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (MPF).
O MPF se reuniu com a comunidade da Estrada dos Alpes na terça-feira (30) e prometeu investigar as tentativas de invasão. Conforme Sérgio Valentim, do coletivo de comunicação da Frente Quilombola, a tentativa de invasão foi protagonizada por 20 pessoas, que incluíam algumas crianças e adolescentes. Eles alegaram que iriam ocupar as casas inacabadas por não possuírem residência própria.
Chamada, a Brigada Militar identificou os invasores e os dispersou. Segundo a BM, três dos que tentaram ocupar a área quilombola ilegalmente possuem antecedentes policiais por tráfico (indiciamento ou prisão), o que pode dar indícios de participação de uma facção no estímulo a invasões na área.
— Aumentamos o patrulhamento na área quilombola, pelo menos até a retomada das obras — anuncia o tenente-coronel Clodemilton Silva Bueno, comandante do 19º Batalhão de Polícia Militar, responsável pelo policiamento naquela região.
O advogado da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul culpa a "letargia" do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em demarcar terras quilombolas e a pressão de projetos imobiliários pelos incidentes que têm se registrado em quilombos.
— A demora no reconhecimento das áreas quilombolas cria um caldo de cultura propício a invasões — resume Araújo.
Os quilombos que sofreram tentativa de invasão
Araújo listou a GZH incidentes registrados durante a pandemia:
- Quilombo da Família Ouro, na Lomba do Pinheiro — sofreu invasões, repelidas. Há disputa com vizinhos, donos de sítios.
- Quilombo Lemos, no bairro Menino Deus — há disputa com vizinhos e a área demarcada sofreu desmatamentos ilegais, segundo os quilombolas. A perda de árvores acarretou inundações no local. Está certificado pela Fundação Cultural Palmares como área de remanescentes de afrodescendentes escravizados.
- Quilombo Fidelix, bairro Azenha — ocorreu destruição da horta comunitária por invasores. Advogado dos quilombolas conseguiu na Justiça a manutenção de posse do quilombo. Está certificado pela Fundação Cultural Palmares como área de remanescentes de afrodescendentes escravizados.
- Quilombo da Estrada dos Alpes, no bairro Cascata— sofreu tentativa de invasão de casas dos moradores no último fim de semana. Há alguns anos, duas lideranças quilombolas foram assassinadas numa disputa de terras, mas as investigações apontaram como causa a desavença entre vizinhos e não uma invasão organizada do quilombo. Está certificado pela Fundação Cultural Palmares como área de remanescentes de afrodescendentes escravizados.
Posicionamento
A reportagem de GZH tenta retorno do Incra, para posicionamento a respeito das queixas de lentidão no exame de processos relativos a áreas quilombolas.