O nome “areal” se refere à areia avermelhada que cobria aquelas terras, muito próximas ao Guaíba porque ainda não havia o aterro. Um dos mais agitados de Porto Alegre, o Carnaval do Areal da Baronesa era inclusive conhecido como “Carnaval na areia”.
A história do negro ali inicia ainda antes da abolição da escravatura. A área entre o Guaíba e a atual Avenida Getúlio Vargas pertencia ao Barão e à Baronesa do Gravataí, e o matagal que havia servia de esconderijo para as pessoas escravizadas fugidas de seus senhores. Após a morte da baronesa, por coincidência no mesmo ano da Lei Áurea, em 1888, o lugar passa a ser ocupado por negros alforriados da senzala da chácara.
A área passou por um processo intenso de transformação ao longo do século passado, mas os moradores de uma das ruas resistiram. O quilombo urbano Areal da Baronesa corresponde à área da Avenida Luiz Guaranha, via estreita de apenas cem metros no Menino Deus onde moram hoje cerca de 70 famílias.
— O processo de retirada das famílias da região foi violento. Elas amanheceram sem suas casas, um caminhão levou tudo o que tinham para Restinga e Lomba do Pinheiro. A gente foi o único lugar que persistiu e resistiu — diz a telefonista Fabiane Figueiredo Xavier, 44 anos, secretária da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal.
Fabiane mora ali desde que nasceu. Foi onde viveu sua avó, sua mãe, e é onde cria os filhos de 19 e 21 anos de idade. Ela tem a história do lugar na ponta da língua.
— Esse é o nosso lugar de pertencimento, onde a gente socializa, onde faz as festas. É um mundo dentro de Porto Alegre.
Um dos berços do samba da cidade, o Areal segue imerso no Carnaval de rua da Capital, por meio do projeto cultural Areal do Futuro, onde crianças da comunidade têm aulas de percussão e dança. A moradora mais antiga dali assiste da janela da sua casa, a última da ruela sem saída, com paredes e esquadrias brancas.
— Eu adoro o Arealzinho — diz Olga Silveira Gonçalves, 90 anos, com um sorrisão.
As idosas do bairro se envolvem de uma forma diferente, por meio do artesanato. Eunice da Silva Soares, 76 anos, pinta quadros, faz bolsas e bonecas africanas de materiais reciclados. Ela já teve tela sua até na Bienal do Mercosul — em 2018, o quilombo urbano foi convidado a participar da mostra internacional de arte contemporânea.
— Teve obra minha que foi pros Estados Unidos! — gaba-se a auxiliar de serviços gerais aposentada.
Mas a mais valiosa das suas criações, ela não vende, nem se for em dólar. Nice pintou para uma amiga ali da Luiz Guaranha, uma líder comunitária que faleceu antes do quadro ficar pronto. Ilustra as lavadeiras do Areal que usavam as águas ainda limpas do Dilúvio há mais de cem anos. Se emociona ao mostrar a tela para a repórter.
Eunice mora no Areal da Baronesa há pelo menos 40 anos. Destaca que ali todos se conhecem, todos se ajudam.
— Eu não quero morar em outro lugar.