Uma estrutura metálica com sistema de fixação preso a uma parede de tijolos cerâmicos que esfarelam e sem capacidade para suportar peso. Esta é a descrição do mezanino que desabou na noite de 4 de dezembro do ano passado no bar Just 4D, no bairro São Geraldo, em Porto Alegre.
A Polícia Civil concluiu a investigação do caso indiciando dois sócios do local por lesão corporal, lesão corporal grave e desabamento. GZH apurou que os indiciados são Omar Luz Mobayed e Sérgio Luiz Rodrigues Costa, e que a polícia entendeu que eles agiram com dolo eventual, ou seja, assumiram o risco de um acidente ocorrer no local.
O desabamento deixou uma das vítimas paraplégica. No noite do acidente, Mobayed foi preso em flagrante, mas pagou R$ 5 mil de fiança e foi solto.
Em cima do mezanino, no momento da queda, estavam cerca de 25 pessoas fazendo pose para tirar uma foto. Abaixo dele, clientes em mesas.
Quando a estrutura caiu parcialmente, atingiu as costas de Maicon Godinho de Oliveira, 35 anos, que tomava um refrigerante e aguardava uma pizza. Conforme testemunhas, ele ficou de joelhos, com parte do mezanino sobre as costas. Quando as pessoas saíram de cima e o peso diminuiu, caiu para frente de barriga para baixo, urrando de dor. Ao ser virado, desmaiou.
Outra vítima atingida foi Cássia Galvão de Oliveira, que estava no local com amigas para comemorar a conclusão do curso de Engenharia Química. A jovem fraturou três vértebras, pelve, sacro e uma costela, que causou ainda pneumotórax. Recém concluindo o tratamento, Cássia prefere não falar sobre o assunto e diz apenas "querer seguir em frente".
A investigação reconstituiu as condições do prédio e do mezanino. Em apuração junto a conselhos profissionais responsáveis pela fiscalização de obras, a polícia não encontrou nenhum documento referente ao registro da construção do mezanino pelo locatário anterior, em meados de 2014.
A informação foi de que, à época, o lugar era usado por apenas uma pessoa. De qualquer forma, estava irregular pelo fato de a colocação não ter tido acompanhamento e aprovação técnica.
Conforme a dona do imóvel, o mezanino foi instalado por outro locatário e não era apto a ser usado com público sobre ele. A proprietária apresentou à polícia provas de que teria alertado os locatários do Just 4D sobre a estrutura não ter capacidade para reunião de público.
O prédio foi alugado para eles em maio de 2021 para funcionar como bar/café/lancheria, conforme constava em alvará da prefeitura. Mas estava sendo usado como casa noturna e já havia sofrido interdição em setembro, por funcionar fora das regras.
Quanto ao uso do mezanino, a polícia apurou que os sócios do Just 4D, além de não terem feito obra para reforçar adequadamente a estrutura, ampliaram a escada que levava para a parte superior, o que facilitava o acesso de mais público aquele andar.
Outra informação obtida por meio do relato de frequentadores é de que funcionários do local sabiam do risco de uso do mezanino, o que reforça o enquadramento dos sócios por dolo eventual. Conforme a apuração, um final de semana antes do acidente, um segurança falou para um grupo de jovens que não podia pular sobre a estrutura por risco de queda. Apesar disso, o espaço era oferecido para reservas, para realização de eventos, e não havia nenhuma placa indicando eventual risco por excesso de peso.
Uma semana antes da queda, houve um aniversário no local. Na noite do desabamento, era a confraternização de final de ano de colegas de academia que estava sendo realizada. Depois do acidente, uma jovem chegou a divulgar em redes sociais a informação sobre o aviso do segurança. Testemunhas confirmaram a informação à polícia.
— As circunstâncias delineadas no caso concreto caracterizam dolo eventual, diante do entendimento acerca da existência de previsibilidade do resultado por parte dos agentes, ao permitirem a aglomeração de pessoas, em pleno período pandêmico, sobre a estrutura colapsada nas condições demonstradas nos autos, vislumbrando o resultado como possível, com a decisão de continuar agindo e assumindo o risco de produzi-lo — diz o delegado Thiago Bennemann Gonçalves, titular da 17ª Delegacia da Polícia Civil.
Laudo do Instituto-Geral de Perícias (IGP) atestou que o desabamento ocorreu por "falha na fixação das peças de apoio da viga principal posterior". A conclusão do inquérito já foi remetida à Justiça e está sob análise do Ministério Público.
Contraponto
O que diz Gelson Lucas Pacheco Fassina da Silva, advogado dos sócios do Just 4D:
"A defesa de Omar Luz Mobayed e Sergio Luiz Rodrigues Costa recebeu com surpresa a nova capitulação legal dada ao caso, mas respeita o entendimento do novo delegado que assumiu as investigações já na fase final do inquérito, indiciando-os por lesão corporal gravíssima em dolo eventual e desabamento, em dissonância com o posicionamento da delegada que instaurou a etapa inquisitorial do processo, que viu apenas o último delito.
Contudo, a defesa aguarda o posicionamento do Ministério Público e sua decisão final quanto ao enquadramento legal da denúncia, confiando que a tipificação será construída sem pressões externas e excessos de acusação."