Prestes a se mudar para a casa ao lado na Rua João Alfredo, o restaurante Tudo Pelo Social foi personagem de um debate nas redes sociais na segunda quinzena de maio. Relatos do aumento do preço da famosa a la minuta, que promete servir duas pessoas e passou de R$ 30 para R$ 40, despertaram a curiosidade e as críticas de alguns frequentadores. Ainda que os proprietários não tenham comentado publicamente a alta, trata-se de um movimento visto em todos os setores econômicos. O prato composto por arroz branco, ovo frito, bife de gado ou de frango, batata frita e salada acompanhados por uma cumbuca de feijão não iria ficar de fora.
Considerando a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que é parte do cálculo da inflação e obtido a partir da média de preços de itens de consumo estimado por famílias que ganham até cinco salários mínimos por mês, o reajuste de R$ 10 é maior do que os 19,55% acumulados desde março de 2020 até abril de 2022.
Por outro lado, comparando com a variação do valor da cesta básica — composta por alimentos que são servidos na a la minuta, como arroz, feijão, ovo, batata e azeite —, que subiu 35%, percebe-se que o reajuste de 33% acaba ficando até abaixo do aumento nos custos de produção de uma das receitas mais queridas do bairro Cidade Baixa. Caso o reajuste da a la minuta fosse vinculado ao INPC, porém, o novo preço seria de R$ 36.
Uma forma de o restaurante evitar novos aumentos poderá ser justamente a troca de sede. O novo local é próprio. Assim, não seria mais necessário pagar aluguel, o que é um expressivo corte de custos.
Pesquisa mensal da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) mostra que, em abril de 2022, mais da metade de seus associados operou no prejuízo. Há uma melhoria em relação ao mesmo mês de 2021, mas os preços cobrados pelos empreendedores ainda não conseguiu acompanhar as altas da inflação em 76% dos cardápios. Apenas 24% dos que fecharam o mês com lucro conseguiram ajustar os preços de acordo com a inflação, deixando claro, nas palavras da Abrasel, que “o desafio é lidar com o rápido e intenso aumento da inflação”.
— Vemos uma melhoria no movimento, mas um aumento que não tem como ser repassado para o cardápio. Não temos como ter certeza que isso vá refletir em um aumento absoluto do faturamento. Muita gente ainda tá trabalhando abaixo da inflação no preço dos pratos. Carnes aumentaram entre 50% e 60%, muito acima dos índices da inflação — argumenta João Alberto Melo, presidente da Abrasel.
Lancheria do Parque
Nenhum cliente da Lancheria do Parque interrompeu a refeição enquanto quatro funcionários retiravam as placas de preços da parede, às 14h40min desta segunda-feira (30). O aumento dos valores no cardápio para alcançar a inflação já aconteceu, levando o bufê com uma carne dos R$ 18 para os R$ 20 durante a semana, e dos R$ 20 aos R$ 23 aos finais de semana. Os reajustes de 11% e 13%, respectivamente, assustaram até mesmo Ivo Salton, 69, fundador e eterno caixa da “Lanchera”, quando o repórter perguntou se o painel da parede era retirado para a colocação de novos preços.
— Aumento? Já teve, nem me fala em outro — exclamou, explicando: — Estão só trocando as três lâmpadas que queimaram.
A substituição das lâmpadas será paga com um caixa mais instável, mas que ainda vem resistindo, segundo Ivo e o sócio Mauri Fachini, 53. Eles contam que a diminuição do fluxo de funcionários, professores e alunos da Universidade Federal do RS (UFRGS) mudou a cara da Lancheria e o balanço financeiro. Além disso, mesmo nos clientes mais fiéis, os hábitos de consumo estão diferentes.
— Tivemos meses bem difíceis entre 2020 e 2021. Agora está melhorando, claro, mas ainda não como era antes. O pessoal vem almoçar, mas não leva mais o chocolate de sobremesa, toma um refrigerante menor. Baixou o poder aquisitivo da classe trabalhadora — ilustra Fachini.
O xis salada, a mais barata das opções de recheio deste tipo de lanche, também aumentou de preço, de R$ 15 para R$ 17, assim como o famoso suco de laranja batido, que subiu de R$ 7 para R$ 9. Ivo não queria, mas esse reajuste foi necessário. A alternativa encontrada pelos sócios é fazer compras de fornecedores em maior quantidade, aproveitando a capacidade de armazenamento da câmara fria da Lancheria para encontrar melhores descontos e garantir o preço competitivo no balcão.
— Conseguimos fazer compra de carnes mais baratas, em peças inteiras que precisamos cortar os bifes todos os dias. Queijos, a mesma coisa, encontramos preço menor comprando mais quantidade. Temos que dar um jeito, pois o movimento está incerto — comenta Fachini.
Na análise da Abrasel, essa estratégia de oferecer um cardápio mais competitivo com preços menores do que os concorrentes tem um lado vantajoso e outro desafiador:
— As pessoas vão procurar essas refeições mais baratas, isso beneficia quem pratica o preço menor, pois aumenta o movimento e as vendas, mas isso encolhe bastante as margens de lucro deles — resume João Melo.