De um lado, arquitetos, urbanistas, administradores e representantes culturais da comunidade porto-alegrense pedindo, por meio de um projeto elaborado por professores da UFRGS, que os armazéns do Cais Mauá tenham destinação sociocultural e que não exista ocupação residencial na área. Do outro, as secretarias estaduais de Parcerias (Separ), de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) e representantes do consórcio Revitaliza argumentando, ao lado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que a melhor maneira de suportar os custos elevados de recuperação da área é com a concessão à iniciativa privada, via PPP. Este é um resumo do debate que ocorreu entre as 10h e as 14h desta quinta-feira (26) no armazém central do Cais.
O Coletivo Cais Cultural Já pede que as docas sejam alienadas para exploração comercial com o objetivo de reunir recursos para revitalizar os armazéns, sem a possibilidade de uso residencial. A principal diferença para a atual proposta trabalhada pelas autoridades é que esse espaço reformado tenha espaços para apresentações e oficinas culturais, possibilitando, também, a exploração comercial com eventos particulares de diferentes portes nos mesmos locais. É prevista a construção de palcos, centros de eventos e espaços de ocupação comunitária. A gestão deles e dos fundos financeiros seriam compartilhadas entre iniciativa privada, lideranças comunitárias e representantes culturais.
— Ainda que fossem frustrados alguns dos lucros do atual modelo, nossa proposta aborda um conjunto de fundos de médio e longo prazo, geridos por esses conselhos. A gente acredita que essa é uma modelagem de negócio em que o risco de frustração de receitas fica muito menor — argumentou o doutor em administração e professor da Universidade Federal do RS (UFRGS) Pedro de Almeida Costa.
— Pensamos um projeto o mais inclusivo possível. Algo que represente toda a população e não só setores ou classes sociais que teriam condição de usufruir esse espaço público tão privilegiado pela natureza e de importância histórica que possuímos. Ao priorizar a rentabilidade, parte das atrações passam a ser inviáveis para uma parcela da população — complementou o professor de sociologia e doutor Luciano Fedozzi, também da UFRGS.
Por outro lado, o secretário estadual extraordinário de Parcerias, Leonardo Busatto, afirma que a alienação das docas para atrair investidores, modelo de arrecadação apontado como alternativa à construção das torres residenciais pelo coletivo, não seria suficiente para bancar as reformas. Uma das questões inviabilizadoras nessa hipótese é o Muro da Mauá, que, segundo Busatto, aumentaria o custo das intervenções e cuja remoção não está contemplada pelo projeto do coletivo. Outra seria o plano de prevenção contra enchentes, que é feito pelo muro que conteria as águas do Guaíba em eventual cheia semelhante à de 1941 e deve ser criado como contrapartida pela Revitaliza.
— Se as docas forem avaliadas em R$ 100 milhões e a gente as vender, ainda assim falta dinheiro para as reformas, pois não é algo simples. E é reformar e manter por 30 anos, além dos custos de urbanização da área, reforma da praça e do prédio do frigorífico nos parâmetros de patrimônio tombado, custos que estão previstos no projeto da PPP (parceria público-privada) — contrapôs o secretário.
Novas audiências
Os representantes do coletivo argumentam que suas diretrizes podem ser aplicadas sem depender da remoção, alteração ou permanência do muro. Os professores doutores Eber Marzulo e Inês Martina Lersch, ambos do Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, mencionaram os atuais eventos que já acontecem no espaço em discussão do Cais e no Cais Embarcadero para pedirem que seja considerada a importância de ocupação cultural das estruturas. Foram relembradas edições da Feira do Livro que utilizaram os armazéns principais, assim como o South Summit, no começo de maio, e a próxima Bienal do Mercosul, que também está marcada para ocorrer ali.
— Vimos na Noite dos Museus que tem público para encher a cidade com cultura. Defendemos a ampliação desse espaço físico para utilização cultural. Não é o muro que vai barrar ou trazer mais pessoas para cá (Cais). Vai ser o custo das atrações que serão oferecidas, o preço das comidas e das apresentações culturais. O Cais Embarcadero tem regras de espaço privado, não pode isso e não pode aquilo. Não queremos que isso aconteça aqui. Queremos convergência dos interesses e não queremos esse espaço totalmente privado — argumentou Inês.
— Com um pequeno investimento público muito menor do que o da revitalização dos três trechos da Orla, por exemplo, já viabiliza o uso contínuo desse espaço dos armazéns. Esse uso aqui pode servir como atrativo para futuros investidores. Criar um polo de troca intelectual e criativa, que a cidade ainda não tem. Não estamos falando de um Estado ou de uma metrópole pobre. Reunimos um quarto da população do Rio Grande do Sul na Região Metropolitana — destacou Marzulo, respondendo às questões financeiras levantadas pelos representantes do governo.
O secretário Busatto ainda ponderou que o formato de PPP foi a melhor alternativa encontrada pela equipe técnica, superando as décadas de entrave jurídico quando o governo tentava realizar licitações para o mesmo fim. Nesse aspecto, tanto ele quanto os representantes do coletivo concordaram que é necessário um debate em nível de legislação sobre a obtenção de recursos para mudanças dessa magnitude.
Duas novas audiências públicas sobre os modelos de revitalização do Cais Mauá estão marcadas para as próximas semanas: uma organizada pela SPGG e pela Separ, na próxima quinta-feira (2), no auditório do Centro Administrativo Fernando Ferrari, a partir das 9h, com horário limite de término às 12h. E outra promovida pela prefeitura de Porto Alegre, marcada para 6 de junho, às 19h, com transmissão virtual pelo canal no YouTube da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus).