Os escorpiões-amarelos seguem aparecendo em alguns pontos de Porto Alegre. Apenas nos três primeiros meses deste ano foram capturados 80 exemplares, sendo que todos estavam no Centro Histórico, mais especialmente na Praça Dom Feliciano, perto de onde fica o Instituto de Artes (IA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desde 2018, o IA é palco constante para a circulação do aracnídeo.
— Nosso prédio está situado ao lado da Praça Dom Feliciano, onde esses escorpiões estão domiciliados. O prédio é problemático, não tem infraestrutura adequada e possui um grande subsolo. Há avistamentos frequentes deles e um já apareceu até nas escadas do segundo piso — relata o diretor do Instituto de Artes, Raimundo Rajobac.
Conforme a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), não há uma média diária de quantos desses aracnídeos são tirados de circulação porque isso depende de denúncias e das ações noturnas realizadas por equipes especializadas da prefeitura. Nos últimos seis meses, foram recolhidos 156 escorpiões-amarelos e realizadas três capturas noturnas.
— Não temos registros de pessoas picadas pelo escorpião-amarelo no Instituto de Artes, mas a presença dele gera insegurança nos frequentadores do prédio. Esperamos a desinsetização para este semestre, mas, desde o ano passado, não foi mais feita. Chegamos a colocar algumas telas e sempre notificamos a prefeitura quando visualizamos o escorpião — completa o diretor, salientando que já viu o animal no local em algumas ocasiões.
A professora Lilian Maus, do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS, compartilha a sensação de ter dividido o elevador com um escorpião no final de 2019.
— Subi vários lances de elevador com um escorpião. Estava sozinha, mas, quando abriu a porta, outra professora testemunhou minha saída repentina e assustada do elevador. Por sorte, só o avistei nos últimos andares, quando a porta estava abrindo. Se tivesse percebido antes, não sei se eu sobreviveria ao susto de dividir o elevador com o bicho — conta, citando que leciona no oitavo andar do prédio.
A docente também disse que uma ex-aluna dela capturou um escorpião no térreo.
Apenas em 1° de fevereiro, foram capturados 19 exemplares na região da Praça Dom Feliciano e na Rua dos Andradas, em uma ação da Vigilância em Saúde junto com o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Os escorpiões recolhidos foram encaminhados ao Centro de Informações Toxicológicas (CIT) do Rio Grande do Sul.
O que diz a UFRGS
O Departamento de Meio Ambiente e Licenciamento (DMALIC) respondeu sobre a falta de serviço de dedetização na UFRGS:
"Desde 2018, quando foi identificado o primeiro escorpião-amarelo no Instituto de Artes, o DMALIC/SUINFRA e o Instituto de Artes, vem trabalhando em diversas ações de prevenção (colocação de telas nos ralos da rede de esgoto, limpeza e descarte de resíduos dispostos acumuladamente e desinsetização específica para escorpião-amarelo). Atualmente, o DMALIC/SUINFRA está encaminhando um processo de licitação para nova contratação de empresa especializada para prestação de serviço de desinsetização, que engloba o controle de escorpião-amarelo (Tityus serrulatus). A previsão é que o contrato esteja disponível no primeiro semestre de 2022."
Homem foi picado no Centro Histórico
A picada do escorpião-amarelo, além de provocar dor intensa, pode, em casos mais severos, até provocar a morte, especialmente de crianças, idosos e pessoas com comorbidades. Também há riscos de alterações no batimento cardíaco e tremores, além de suor, vômito e agitação. Em caso de picada, a orientação é para a vítima se dirigir imediatamente ao Hospital de Pronto Socorro (HPS). O tratamento para reverter a ação do veneno é realizado com um soro específico existente no HPS.
Houve um acidente com picada de escorpião-amarelo nos últimos seis meses. O caso ocorreu em 28 de janeiro, na Avenida Salgado Filho. Um homem foi picado no dedo do pé, dentro de casa. A vítima relatou forte dor na perna e foi atendida no HPS. Ele capturou o animal, que foi recolhido e encaminhado ao CIT.
Se alguém ver um escorpião-amarelo, não deve tentar capturá-lo. A orientação é para ligar para o telefone 156. A notificação também pode ser realizada pela internet (opção: Saúde - SMS - Escorpionismo).
Características do animal
O escorpião-amarelo se alimenta especialmente de baratas. Em função disso, é recomendado manter a grama aparada, o pátio sem entulhos de lixo, limpar caixas de gordura e ralos de banheiro e de cozinha. O aracnídeo não costuma atacar gratuitamente, apenas quando se sente ameaçado.
— Para o escorpião-amarelo, a principal característica é que sua reprodução ocorre por partenogênese. De uma maneira mais leiga, partenogênese é uma estratégia de reprodução em que as fêmeas geram seus filhotes sem terem copulado com um macho — explica Luiz Ernesto Costa-Schmidt, professor do Departamento de Ecologia, Zoologia e Genética da Universidade Federal de Pelotas (DEZG/UFPel).
Entre as características físicas estão a coloração, que, apesar da tendência a ser amarelada, pode apresentar uma variação que vai do próprio amarelo ao pardo. Também possui duas pinças alongadas e delgadas, localizadas nas extremidades de dois apêndices na parte anterior do corpo, e uma cauda alongada que contém protuberâncias em disposição seriada, lembrando um serrilhado (por isso o nome de Tityus serrulatus). E, na extremidade da cauda, está o aguilhão, por onde o escorpião transmite a sua peçonha.
Cada escorpião-amarelo gera em torno de 20 a 30 filhotes. Locais frescos e escuros, como frestas de paredes e pisos, restos de materiais de construção e demolição, ralos, esgotos, encanamentos e caixas de hortaliças, são seus ambientes preferidos para viver. O docente ainda detalha os motivos que contribuem para a perfeita adaptação do animal aos grandes e movimentados centros urbanos:
— As áreas com acúmulo de resíduos orgânicos ou até mesmo caliças são locais de maior probabilidade de ocorrência, pois oferecem espaços seguros para o estabelecimento destes organismos sem maiores riscos à sua sobrevivência. Nestes espaços costuma ocorrer a proliferação de muitos insetos adaptados ao espaço urbano. As baratas, dada sua abundância e facilidade de captura, acabam sendo o principal item da dieta dos escorpiões-amarelos, servindo como uma fonte de alimento praticamente inesgotável. Isso acaba favorecendo o desenvolvimento de mais escorpiões-amarelos, gerando populações com uma quantidade expressiva de indivíduos.
O professor alerta sobre o perigo nas residências:
— A área interna das casas também oferece condições ótimas para o estabelecimento deles. Frestas nas paredes, forros, rodapés, entre outros, caracterizam o que chamamos de micro-habitats. Muitos desses locais são normalmente negligenciados em termos de limpeza por parte dos moradores. É importante dizer que, no espaço interno das casas, a sobrevivência desses escorpiões é ainda maior, pois ali eles estão, possivelmente, livres da ação de predadores que ocorrem nas áreas externas, como os gambás.
A bióloga do Centro de Informações Toxicológicas (CIT) Kátia Moura compartilha que o escorpião-amarelo pode atingir sete centímetros de comprimento e a fêmea pode gerar, durante sua vida, uma média de 160 filhotes.
— Estávamos vendo com o Instituto Butantan se queriam receber esses escorpiões-amarelos. Mas não há interesse, então, ficamos com alguns vivos para uso em nossas capacitações e para aprender sobre seus hábitos — diz a bióloga sobre o destino do animal depois de chegar ao CIT.
Recomendações da SMS para evitar a aproximação do escorpião-amarelo:
- Manter os arredores da moradia limpos
- Aparar a grama
- Eliminar entulho e lixo
- Na residência, vedar soleiras das portas com saquinhos de areia ou friso de borracha
- Também é recomendada a instalação de telas nas portas, janelas e nos ralos de banheiros e cozinha (ou ralo abre-fecha) para evitar a entrada dos animais.