Entre os voluntários que dividem o transporte da estrutura usada para crucificar Jesus, no caminho da Via Crucis da Paixão de Cristo, talvez não haja um tão predestinado quanto Crystom Oliveira Rodrigues. O jovem negro de 21 anos foi batizado com o nome em alusão ao filho de Deus devido a uma promessa da avó: caso o parto, de alto risco para a mãe e o bebê, tivesse sucesso, seu neto ganharia o nome sagrado.
— Se salvar meu neto, vou abençoar com seu nome, ela prometeu. Minha mãe gostou, porque sempre quis um nome diferente. Ainda colocou o “Y” no meio pra ficar americanizado e o “M” no fim, em homenagem à vó, Maria Jussara — explica Crystom.
O nome, na época de escola, virou chacota pelos colegas. Hoje, é encarado com orgulho.
O artista quase homônimo do filho de Maria e José foi um dos convidados pelo diretor da peça, Camilo de Lelis, para revezar a cruz a cada 33 metros no percurso desde a Paróquia São José do Murialdo até o topo do Morro da Cruz, zona leste da Capital. A ideia, garante o produtor cultural, é “colocar o povo como protagonista”.
Crystom é motoboy para viver. Atuar e, principalmente, ser produtor audiovisual são as funções que levam o jovem mais próximo do futuro imaginado.
Ele vive ao lado da praça onde fica instalado o palco para o ato final da Paixão de Cristo. Desde a infância, acompanha a procissão. Aos cinco anos já caminhava nos becos vestido de anjinho. Observou, em todas as edições, a fé do povo de sua comunidade, periferia que, por experiência própria do jovem, acaba esquecida por quem desconhece a realidade de Porto Alegre.
— Quem é de fora acha que aqui só tem italiano e alemão. E eu quero mostrar que tem preto na periferia de Porto Alegre. Que tem arte, tem poesia, tem pagode. Quero mostrar que não somos invisíveis — conta.
Com Ensino Médio, Crystom estuda para o Enem e se diz audacioso ao mirar no curso Superior. Sonha ser diretor de cinema, e enquanto sobe as escadas até a profissão produz vídeos para o canal do YouTube Justiça Poética. A captação e edição tem foco em artistas locais, mais uma forma de visibilidade aos seus.
Pelo Instagram, o motoboy mantém a página @afronario.
— Criei essa palavra pra dizer que sou um preto revolucionário. Porque estudar, correr atrás do sonho, já é ser revolucionário pra nós — garante.
Em novembro de 2021, o entregador foi um dos cinco entrevistados no projeto “Falas Negras”, da Rede Globo. Veiculado no Dia da Consciência Negra, o documentário destacou trabalhadores negros do país, e Crystom foi o único gaúcho da obra.
— Agora, na peça tenho mais uma responsabilidade, representar a comunidade. E uma alegria gigante para mim — complementa.
No programa Timeline, da Rádio Gaúcha, ele falou mais sobre seus objetivos, ao lado do mirante que tem a vista privilegiada de inúmeros bairros do município. Reforçou que através da imagem de suas futuras produções, elevará a vizinhança onde nasceu e cresceu.
Enquanto não tem uma oportunidade — e dinheiro para um equipamento profissional — o filho da cabeleireira Patrícia Oliveira Rodrigues grava e edita em um smartphone e com a mais recente aquisição, uma câmera Nikon. E espera não precisar de um milagre para ser reconhecido.