Muito antes da decolagem do 14-Bis pioneiro de Alberto Santos Dumont em 1906, técnicas orientais de dobradura projetavam folhas de papiro como planadores ao sabor dos ventos. A aerodinâmica milenar dos depois apelidados "aviões de papel" inspirou brincadeiras infantis, foi utilizada para desenvolver modelos de tecnologia militar nos Estados Unidos na década de 1930 e virou um esporte no século 21. Ou, pelo menos, uma competição mundial com seletiva regional em Porto Alegre, marcada para esta sexta-feira (25).
A pista de decolagem será o oitavo andar do prédio 81, o complexo poliesportivo da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), com autorização para voos a partir das 11h, independentemente da previsão meteorológica, tendo em vista que não pode haver vento ou interferências externas no local de competição. Até a manhã desta terça-feira (22), 192 pilotos já tinham feito o check-in com inscrição gratuita para competir em duas modalidades: tempo de voo e distância.
O evento marca a volta da disputa, três anos depois da última edição do RedBull Paper Wings. Uma terceira modalidade, virtual, com decisão por meio de voto popular, também corre em paralelo. Esta valoriza acrobacias e performances, e também dá vaga para a disputa mundial.
A regra de cada disputa é tão simples quanto a lista de materiais permitidos. Ganha o(a) competidor(a) que arremessar um avião feito de uma folha de papel simples, tamanho A4, sem cortes nem materiais de fixação, à maior distância ou durante o maior tempo de suspensão no ar. Não é permitido utilizar nada além do papel fornecido pelos organizadores para montar o avião. O melhor de cada etapa regional ganha um lugar no ranking nacional, de onde os quatro melhores classificados obtêm o direito de disputar o mundial, em Salzburgo, na Áustria.
O último campeão mundial de tempo de voo, o australiano Cameron Clark, fez seu planador levar 13,33 segundos para tocar o chão depois de ser arremessado na etapa internacional de 2019. Parece pouco, mas assistindo ao vídeo de Takuo Toda, engenheiro japonês que em 2012 bateu o recorde mundial de tempo de voo, percebemos a eternidade que é para uma folha de papel flutuar de um lado para o outro dentro de um ginásio durante 29,7 segundos.
Veja o vídeo do recorde mundial de tempo de voo, batido em 2010 e reconhecido em 2012 pelo Guiness
O melhor representante brasileiro na competição se destaca na distância. Heitor Souza, 23 anos, arremessou seu planador de papel dobrado por 44 metros na etapa regional, em Cuiabá, e 34 metros, na Áustria. Em 2022, já competiu e garantiu outro título regional, dessa vez competindo em Goiânia, alcançando 32,7 metros. A melhor marca de Heitor, que é estudante de agronomia, é superada por Santos Dumont e o 14-Bis por apenas 16 metros. A diferença é que o primeiro avião da história pesava 160 quilos vazio e tinha um motor movido a vapor d’água. A estrutura de madeira, bambu e seda subiu a dois metros do chão por então milagrosos sete segundos. Mais de cem anos depois, Heitor aspira igualar a metragem do inventor, mas reconhece a dificuldade.
— Foi um arremesso único, nunca mais consegui repetir os 44 metros de 2019. Me surpreendi com a força e com o deslocamento, muito reto, combinação que possibilitou atravessar toda quadra de disputa e atingir uma grade do outro lado. Se não tivesse ela, seguiria voando — lembra, orgulhoso, o bicampeão Heitor, que cogitou participar da etapa de Porto Alegre, pois onde ele mora, em Cuiabá, não haverá edição em 2022.
Heitor revela que a dobradura utilizada por ele nos voos campeões foi ensinada por um amigo de infância. Natural de Cáceres, no Mato Grosso, Heitor tinha nos aviõezinhos uma das brincadeiras favoritas da vizinhança. Quando viu o amigo Walier quebrar os recordes da rua, quis aprender o segredo do planador. O estudante conta que teve as instruções passadas por Walier e pelo pai dele, que tinha ensinado a dobradura ao filho. Aos dois, Heitor é eternamente grato por tê-lo levado ao título nacional. Para o mundial, no entanto, Heitor fez um outro modelo, mais fino e focando ainda mais na capacidade de seguir uma trajetória sem curvas.
— A força no arremesso é crucial, pois os nossos aviões geralmente têm asas pequenas, assim, eles perdem em capacidade de planar. A pista limita onde o avião pode cair nas laterais, tem formato de V. Caso o avião caia fora dessa área, o arremesso é inválido. E uma asa menor no avião nos dá mais precisão no arremesso — explica Heitor, na preparação para a segunda participação no campeonato mundial, que deve acontecer novamente em Salzburgo.
— O maior prêmio que a gente ganha são as amizades e conhecer um novo lugar reunindo novas culturas. Conheci gente do Brasil e do mundo em 2019 que sigo falando até hoje. Além, é claro, de a brincadeira ser frequente também em outros círculos sociais — complementa.
Asas para a etapa mundial
Além das amizades, a Redbull promete pagar todas despesas com passagens, hospedagem e alimentação dos brasileiros melhores rankeados que cumprirem os requisitos para disputar o mundial. Salzburgo receberá aviadores de papel de todo o mundo na segunda semana de maio, em datas ainda a confirmar. Todo o regulamento e demais informações podem ser consultados no site da empresa.
Serviço:
O que? Etapa regional do RedBull Paper Wings
Quando? Sexta-feira (25), a partir das 11h
Onde? 8º andar do prédio 81 (Complexo Poliesportivo) da PUCRS
Como participar? Inscrição gratuita neste link
Que material precisa para fazer o avião? Nenhum. A organização fornece as folhas A4 especiais para o evento.