Felipe Antunes, 19 anos, é o típico guri criado no interior. Morador de Butiá, na Região Carbonífera, o garoto com fios brilhosos de uma boa camada de gel de cabelo deixa mais evidente o jeitão "de fora" quando olha deslumbrado as construções do Centro Histórico de Porto Alegre. Se espanta com o público que passa atônito pelo Mercado Público e com as figuras que povoam a Praça da Alfândega. Mas é justamente esse o agito que ele busca no palco improvisado quase que diariamente na Esquina Democrática: o jovem gaiteiro quer roubar a atenção de quem cruza um dos pontos mais movimentados da Capital - encontro da Avenida Borges de Medeiros com a Rua dos Andradas.
— Aqui tem visibilidade. Pra buscar meu sonho, não importa o valor que as pessoas dão, se R$ 1 ou 5 centavos — justifica.
Mesmo com a pouca idade, Felipe encara uma rotina parelha à de qualquer adulto cascudo: pega o ônibus antes do amanhecer, em Butiá, percorre cerca de 85 quilômetros, e instala a caixa de som no Centro Histórico para um público que de início sequer nota tal movimentação. Os primeiros acordes, no entanto, despertam o auditor Wladimir Noga, 52 anos.
— Eu te ouvi tocando e tive que vir te cumprimentar. Toca muito, guri — elogia, enquanto guarda no bolso um cartão de visitas recém confeccionado pelo jovem.
O artista se apresenta do início do dia até o fim da tarde, trajado de bombacha azul escuro, botas pretas e lenço branco. O tipo de gaita pode variar, conforme a composição interpretada — ele tem três acordeons, com características distintas. Para uma entrevista na Rádio Gaúcha, na manhã desta terça-feira (29), trouxe a Porto Alegre sua Bugari 80 baixos. Ao vivo, tocou Merceditas, canção estudada à exaustão.
— Eu sei que não vou agradar a todos. Se nem Jesus conseguiu, por que o Antunes vai? — ri, com a comparação.
A caixinha deixada no piso da Rua da Praia tem um caderno escrito à mão "qualquer quantia ajuda", seguido de um "muito obrigado". O número de telefone (também cadastrado no Pix), está em um cantinho da mesma folha: (51) 99627-0658.
Inspiração em Renato Borghetti
O primeiro contato com o acordeom foi na infância. Ele é uma das tantas revelações da Fábrica de Gaiteiros, iniciativa de Renato Borghetti que oportuniza o contato com a arte através de aulas de música, de lições da fabricação e resgate histórico da gaita ponto. O profissional é uma de suas inspirações, revela, em uma série de elogios ao período de cinco anos em que frequentou o curso.
A paixão pela cultura do Rio Grande do Sul é declarada, e a admiração supera até mesmo uma tecnologia que poucos deixam de lado na geração atual: videogame e smartphone.
— Eu gosto de videogame, mas da gaita eu não consigo desgrudar. É meu vício, nada pode substituir a gaita na minha vida — afirma.
O intérprete também se arrisca em algumas composições. Criou, recentemente, um canal no Instagram pelo qual divulga seu trabalho.
Além do objetivo de iniciar uma carreira — aos olhos e ouvidos de algum incentivador que tope com seu show à céu aberto — a escolha de viajar a Porto Alegre tem uma meta em especial. Um sonho, como prefere definir: ser convidado do programa Galpão Crioulo, da RBS TV. Para o desafio, ele garante já estar preparado.
— Procurei treinar, fazer meu máximo, nesses anos de aprendizado. Tenho que fazer por merecer, subir no palco do Galpão Crioulo — finaliza.