Os estacionamentos de Porto Alegre passam por um período de transformações. Se há alguns anos o cenário era alvissareiro para os proprietários desses espaços, agora a situação é outra. Basta circular pelos bairros da Capital para dar de cara com placas de aluga-se ou vende-se em terrenos e edifícios-garagem onde até pouco tempo dezenas de carros ficavam estacionados. Fatores como pandemia, home office, preço da gasolina, serviços de aplicativos e até a opção por variados transportes alternativos contribuem para essa mudança no panorama.
— Posso falar pelo Bom Fim. Aqui no bairro é extremamente fácil se locomover para qualquer ponto da cidade e estamos bem servidos pelo transporte coletivo — diz o administrador de empresas Ricardo Neubarth, 55 anos, que mora na Rua Felipe Camarão e acredita que o serviço de aplicativos contribui para que menos pessoas utilizem carros.
Um estacionamento que fechou há mais de um ano fica nessa rua, a poucos metros da esquina com a Bento Figueiredo. Conforme os moradores da redondeza, será construído um prédio residencial e comercial no local, que está com a fachada protegida. Haverá uma entrada pela Felipe Camarão e outra na metade da quadra da Bento Figueiredo – onde existe outro estacionamento –, sugerindo uma construção em formato de L. A empresa que trata de locações e vendas e aparece na placa de aluga-se não quis comentar sobre o assunto.
— Além do fechamento de alguns estabelecimentos em função da pandemia, reduzindo também o fluxo de pessoas que circulam em algumas regiões, outro ponto importante é a manutenção do home office de diversas empresas, o que reduziu também a quantidade de mensalistas em diversos estacionamentos — avalia a economista e professora da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Frederike Mette.
A docente destaca ainda os meios de transporte muito utilizados pela população no cenário urbano de alguns anos para cá.
— Cada vez mais as pessoas estão procurando modos alternativos de locomoção, como bicicletas, ônibus ou caronas compartilhadas, devido ao aumento do preço da gasolina e também do valor das corridas por aplicativos — conclui.
Outros negócios vivem situação similar no Bom Fim. Na Rua Antão de Faria, 61, o estacionamento que fica no térreo do prédio fechou há pouco mais de dois meses. A academia localizada no andar superior também não funciona mais no lugar. Os vizinhos cogitam que um prédio será erguido no espaço, também isolado dos olhares por uma barreira de cor laranja. O cercamento foi necessário porque desocupados estavam entrando na área e praticando delitos.
— Se pegarmos os dados sobre estacionamentos que estão na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do governo federal, verificamos que Porto Alegre atingiu o auge desses estabelecimentos em 2014, com 474 registrados. Em 2020, já eram 366. Mais de cem fecharam nesse período de seis anos — explica o professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Guilherme Stein.
A tendência é de ser um caminho sem volta
GUILHERME STEIN
Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Unisinos
O fenômeno, conforme analisa o docente, não é exclusivo da Capital, estendendo-se para cidades como São Paulo e outras metrópoles. Stein enumera os fatores que forçaram os estacionamentos a fecharem.
— A crise econômica de 2014 contribuiu para isso, pois a recuperação foi muita lenta. Além disso, as novas tecnologias que permitem o acesso a outros tipos de transporte, como aplicativos e bicicletas, reduzem o preço do deslocamento até o Centro. Essa substituição que as pessoas fazem é algo importante. E outro motivo foi a pandemia, a partir de 2020, quando o trabalho remoto, que já vinha crescendo, virou realidade. A tendência é de ser um caminho sem volta — sentencia o professor.
No bairro Independência, o estacionamento localizado na Rua Irmão José Otão, esquina com a Tomaz Flores, está com placa de aluga-se pendurada nas grades. Segundo relato de comerciantes dos arredores, fazia poucas semanas que a área não estava mais disponível para os veículos. A reportagem apurou que o locatário entregou o ponto em função da pandemia de covid-19, o que diminuiu muito o número de clientes do espaço. O locatário pagava R$ 3.307 por mês para manter o estacionamento. O local já tem novo interessado e abrigará outras atividades.
— Os estacionamentos que fecham são os pequenos, pois não conseguem se manter. A pandemia afetou muita gente que prefere deixar o carro em casa e economizar combustível — afirma Fábio Cordeiro, funcionário de um estacionamento em funcionamento na Avenida Venâncio Aires, no bairro Farroupilha.
Cada vez mais as pessoas estão procurando modos alternativos de locomoção, como bicicletas, ônibus ou caronas compartilhadas
FREDERIKE METTE
Professora da Escola de Negócios da PUCRS
O presidente do Sindicato das Empresas de Garagens, Estacionamentos, Limpeza e Conservação de Veículos do Rio Grande do Sul (Sindepark-RS), Francisco Nora, chama atenção para outros aspectos que acabaram determinando o fechamento de muitos estacionamentos.
— O setor de estacionamentos de veículos já vinha antes mesmo da pandemia se reinventando sob vários aspectos. A realidade atual acelerou a necessidade de uso de tecnologia, digitalização dos processos e busca pelo equilíbrio financeiro nas operações. Essa necessidade de investimentos, conhecimento de como operar tecnologias adequadas e queda de demanda foram fatores fundamentais — observa o dirigente.
Também há casos em que os proprietários buscaram outras alternativas. Um conhecido edifício-garagem situado na Avenida Mauá, a poucos metros do Cais, no Centro Histórico de Porto Alegre, deve virar um prédio residencial em breve. O assunto é mantido em sigilo pelos donos. É a adaptação dos empresários aos novos tempos, em que os espaços destinados aos veículos não significam mais dinheiro certo no bolso.