O que parecia ser uma chuva de verão trazendo alívio para o calor em Guaíba, na tarde de segunda-feira (17), transformou-se rapidamente em um temporal assustador e destruidor. Menos de 10 minutos se passaram entre a chegada das primeiras nuvens mais escuras e a formação do que os moradores dizem ter sido um tornado, que vinha do Oeste para o Leste, abalando o bairro Cohab Santa Rita e o Ipê, principalmente.
As rajadas de vento foram mais fortes do que os 80 km/h que a Defesa Civil do Estado alertava ao longo do dia — podem ter superado 100 km/h. A prefeitura do município da Região Metropolitana contabilizou, na manhã seguinte, 80 postes tombados, 2,5 mil casas e 15 mil pessoas sem energia elétrica nem água nos bairros Cohab Santa Rita, Ipê e Engenho. Fora do alcance das estatísticas, o susto e o medo de ver a casa e a família em risco fazem quem viveu a tormenta apontá-la como a pior da sua vida.
— Chuvarada com vento que leva as telhas eu já tinha visto várias, mas igual à de ontem, nunca. Quando (o temporal) começou, a casa tremeu como se fosse levantar inteira — conta Isabel Cardoso, 58 anos, moradora do Santa Rita há quatro décadas, lamentando as aberturas que permitiram que a água da chuva entrasse no segundo andar de sua residência: — Encharcou armário, cama, um sofá que era novo… Foi fora do comum, mas temos que agradecer por estarmos todos bem.
Enquanto varre a água para fora de uma sala de aula no térreo da Escola de Ensino Fundamental Alice Laviaguerre, destruída pela intempérie, Rosângela Linhares, 54 anos, moradora da região há 35, também considera o fenômeno atípico:
— Temporal é normal de dar, mas este ciclone que aconteceu ontem, não. Levou tudo que tinha pelo caminho, nunca aconteceu igual.
O relato de Isabel e Rosângela é semelhante ao de quase todos os outros 11 moradores dos dois bairros visitados pela reportagem na manhã desta terça-feira (18). Apenas o marceneiro Leonel Adriano Boeira, 48, disse lembrar de fenômeno parecido, reconhecendo, porém, o ineditismo da devastação das árvores que separam a localidade da BR-116.
— Um vento cortar essa quantidade de pinheiro, é a primeira vez que acontece — diz, apontando para o trecho de bosque que sofreu uma espécie de recuo.
Ao longo de uma faixa de cerca de 20 metros a partir do asfalto, apenas troncos pela metade e sem galhos seguiam em pé. A parte de cima das árvores tinha sido derrubada na tarde anterior.
Boeira conta que, em 1978, outro evento chamado por ele de “tornado” atingiu Guaíba. Suas memórias da infância remontam a conversas entre os adultos depois da tragédia, que teria matado uma pessoa, e sua própria visão de escombros de imóveis sem as paredes. Aquela ocorrência, no entanto, foi em outro bairro, a Vila Iolanda, na outra extremidade do município.
— Aquele arrancou casa do chão. Lembro de um mercado que a gente ia e depois ficou só a carcaça. Ontem eu estava no carro e não consegui sair. Foi feio, levantou todos os pisos e telhados que tinha por perto — comenta, depois de consertar o telhado de um vizinho precavido.
João Jesus, 60, nascido em Bagé, mora e trabalhou em Guaíba desde 1981. Aposentado, ele recorreu à experiência dos tempos de funcionário da saúde em forças-tarefas pós-temporais para proteger sua família. Ele conta que ainda na segunda-feira, quando percebeu o tempo se armar para a chuvarada que vinha, ligou para uma loja de materiais de construção para comprar telhas e madeiras. Em seguida, chamou Boeira e agendou o conserto do estrago que ainda não tinha acontecido para a manhã de terça, antecipando-se ao vento que chegaria nas horas seguintes.
O aposentado afirma que investiu R$ 1,6 mil entre material e mão de obra. Tinha seu telhado reformado antes do meio-dia de terça, enquanto vizinhos ainda se equilibravam entre telhas e cumeeiras quebradas para esticar lonas e contabilizar o prejuízo. Por mais certeira que tenha sido sua aposta meteorológica, João não conseguiu impedir o susto da esposa, dos filhos e da cunhada durante o fenômeno.
— Começaram os barulhos do vento e logo esse poste aqui da frente de casa caiu, faiscando muito, perto do portão. Corremos para fechar tudo, e enquanto estávamos aqui na varanda os fios dele prenderam fogo. Foi apavorante — lembra, mais tranquilo, no dia seguinte à tempestade, sem danos remanescentes na própria casa.
Menos sorte e condição de proteger seu patrimônio teve Valete Maidana, 67. Moradora do Ipê com outros sete familiares, ela e as duas filhas buscavam informações e doações de lonas e telhas na manhã seguinte ao fenômeno. As telhas dela foram levadas pelo vento, e as que ficaram estão furadas depois de terem sido atingidas pelas das casas vizinhas.
— Tudo que a gente conseguiu, perdi com a água. Máquina de lavar, armários com roupa de cama, TV, sofá. Menos mal que conosco não aconteceu nada — lamenta, conformada.
— Perdemos tudo, mas agora é hora de engolir o choro, arregaçar as mangas e seguir em frente para reconquistar o que tínhamos — complementa a filha Débora, 36, que está abrigando a matriarca em sua casa.