Prevista para ocorrer nesta segunda-feira (6), a votação do projeto que abre caminho para um grande loteamento na antiga Fazenda do Arado Velho foi suspensa por ordem da Justiça. A decisão foi expedida, a pedido do Ministério Público (MP), pela juíza Nadja Mara Zanella, da 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, na última sexta-feira (3).
O projeto protocolado pela prefeitura de Porto Alegre na Câmara Municipal propõe a alteração do regime urbanístico da propriedade no bairro Belém Novo. Um loteamento de 2,3 mil unidades está nos planos da empresa que adquiriu a área de 426 hectares junto ao Guaíba, terreno equivalente aos bairros Moinhos de Vento, Rio Branco, Independência, Bom Fim, Farroupilha e Cidade Baixa juntos.
O MP havia protocolado pedido de liminar em setembro para que o prefeito Sebastião Melo não apresentasse o projeto de lei ou que, caso apresentado, não tramitasse na Câmara. A suspensão ocorre por cautela, até que haja uma decisão sobre a liminar. A juíza destaca que haverá uma audiência para tentar uma conciliação, por meio virtual, em 13 de dezembro.
O promotor Heriberto Roos Maciel, da Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, destaca que aquela área no extremo sul da cidade tem grandes fragilidades ambientais e deficiência de infraestrutura e serviços, incluindo escolas, abastecimento de água, coleta de esgoto e atendimento em saúde. A revisão da infraestrutura viária da Zona Sul, afirma, também deve ser considerada.
— Pode ter um impacto significativo no trânsito — alerta o promotor.
Para o MP, uma alteração do regime urbanístico dessa região deveria ocorrer junto com a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, que está em tramitação.
— Existe inclusive a contratação de uma consultoria milionária de estudos em toda a cidade para guiar o Plano Diretor, que pode diagnosticar as possibilidades e a vocação de cada bairro. Não se pode fazer uma alteração dessa magnitude por meio de um projeto específico, único, de interesse privado — defende.
Com relação à decisão da Justiça, a Câmara Municipal informa que suspendeu o projeto e que não vai recorrer por se tratar de uma suspensão temporária. A Procuradoria-Geral do Município (PGM) ressaltou que haverá uma audiência de conciliação na próxima semana. GZH não recebeu retorno da empresa até a publicação desta matéria.
Por meio do advogado, Rafael Maffini, a Arado Empreendimentos afirmou que, "apesar de se respeitar a opinião do MP, entende que não há qualquer vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade seja no processo administrativos de licenciamento que tramitou até o momento, seja no Projeto de Lei encaminhado à Câmara de Vereadores para a redefinição do regime urbanístico da região". Destacou ainda que a decisão judicial que suspende a tramitação do Projeto de Lei deu-se somente por cautela, sem que tenha ocorrido qualquer manifestação de concordância seja com o argumentos do MP, seja com os argumentos apresentados pela Arado Empreendimento. "A empresa está à disposição para analisar eventual solução consensual, o que já poderá ocorrer na audiência marcada para a próxima semana", afirmou.
Indígenas seguem ocupando a área
O grupo de indígenas da comunidade Guarani Mbya que montou acampamento na Ponta do Arado há três anos segue no local. Representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liebgott estima que sejam cinco famílias residindo em área próxima ao Guaíba, em estrutura ainda precária. Eles reivindicam direito histórico e religioso sobre as terras.
Em 2019, a Arado Empreendimentos conseguiu junto à Justiça liminar que determinava a reintegração de posse, mas a decisão foi suspensa menos de um mês depois pelo desembargador federal Rogerio Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Segundo a assessoria do TRF4, o trâmite está suspenso, sem data para reiniciar. Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os processos judiciais de reintegração de posse e de anulação de demarcações de terras indígenas até o final da pandemia de covid-19.
Não há, no projeto de loteamento, projeção de construções na área ocupada pelos indígenas hoje. O ponto em que eles estão acampados integrará, segundo o projeto de lei em votação na Câmara, uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).