Depois da polêmica em torno da pintura do piso de um recanto do Parque Farroupilha (Redenção), com traços e cores que supostamente fariam menção a uma suástica nazista, a prefeitura de Porto Alegre decidiu encomendar um laudo emergencial à Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc). O objetivo é constatar se há ou não vinculações do desenho no piso da Redenção com o símbolo da Alemanha de Adolf Hitler. A determinação foi expedida pelo prefeito Sebastião Melo em reunião do secretariado na manhã desta sexta-feira (15).
— Assinei um ofício para a Secretaria da Cultura para que façam esse laudo através do Epahc. Se for identificado algum indício de símbolo nazifascista, imediatamente determino a remoção. Isso que aconteceu no nazismo é um crime contra a humanidade e a nossa cidade é humanista, jamais poderíamos permitir uma coisa dessas — afirmou Melo.
O prefeito destacou o pedido de atuação do Epahc porque o parque da Redenção foi tombado em 1997 e qualquer intervenção na sua estrutura precisa de projeto e aprovação prévias. Melo não citou um prazo específico para a conclusão do laudo, mas afirmou ter pressa.
— Determinei com a máxima urgência. Espero ter esse documento na próxima semana — disse.
Apesar de a prefeitura abrir a hipótese de remoção, especialistas em História da Arte e em arquitetura e urbanismo ouvidos por GZH refutaram qualquer vínculo do piso com a suástica nazista, contrapondo críticas e protestos que surgiram em redes sociais contra o desenho no início da polêmica. A reportagem apurou que uma das razões que levou o governo municipal a agir foi o fato de que a possível menção ao símbolo nazista no local público incomodou setores da comunidade judaica, povo que mais sofreu e teve milhares de vítimas devido às perseguições da Alemanha de Adolf Hitler.
Inicialmente, a prefeitura afirmou que o piso havia recebido aquela pintura em um pacote de reformas na Redenção em 2020. Os traços e cores tinham sido adotados, disse o município, para resgatar a arte original. Posteriormente, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) informou não dispor das imagens originais para comprovar que o desenho era daquela forma nos primórdios. Foi solicitado auxílio da Secretaria Municipal da Cultura (SMC) para fazer pesquisa histórica. Em paralelo a esses fatos, que ocorreram na quinta-feira (14), a prefeitura admitiu pela primeira vez, em nota, que poderia remover a pintura.
A polêmica instalou-se nesta semana depois de frequentadores do local, próximo ao lago da Redenção, terem postado fotos e protestos em redes sociais sobre possível semelhança dos traços com a suástica, o que seria reforçado pelas cores pintadas em vermelho e preto, usadas à época pelo nazismo.
A restauração do piso nesse trecho da Redenção, contíguo ao lago, fez parte de uma reforma mais ampla realizada em 2020, ainda no governo de Nelson Marchezan. Os serviços foram orçados em R$ 3,3 milhões e os recursos foram aplicados pela Cyrela Sul Empreendimentos Imobiliários, a partir de um termo de conversão em área pública (TCAP) em contrapartida a uma edificação na Rua Cabral.
Coube à Cyrela contratar a empresa que executou os serviços. Entre as melhorias, constaram a colocação de saibro rosa em cerca de 60 mil metros quadrados de área, nova academia de ginástica, reforma de três recantos infantis, restauro da fonte luminosa e qualificação de outros espaços do parque.
Especialistas refutam comparação com suástica nazista
Para José Francisco Alves, doutor em História da Arte, especialista em patrimônio cultural e frequentador da Redenção, a comparação do desenho com uma suástica nazista é “um exagero”. Ele recorda que o símbolo, originalmente, pertencia ao budismo e, nos tempos da Alemanha de Adolf Hitler, era usado sem modificações estéticas. Ou era do jeito nazista, ou não era, ressalta. Alves considera o fato relevante para a discussão, já que o piso da Redenção tem duas bolas brancas e traços alongados que distorcem o símbolo:
— Esse desenho da Redenção não é uma suástica nazista nem budista. Não é nem parecido. Suástica é uma coisa concreta. Se altera, já não é mais. Há um exagero em querer ver o que não está ali.
O delegado Paulo Jardim, da 1ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, com histórico de investigações de movimentos neonazistas na capital gaúcha, avalia existirem semelhanças, mas refuta a comparação:
— A suástica é um título genérico, abriga vários tipos de significados. No caso em foco, se falarmos genericamente a palavra suástica para a pintura, existe semelhança a alguns dos tipos, mas interpretar como uma suástica nazista me parece complicado, apesar das cores.
O arquiteto Lucas Volpatto, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS) junto ao Conselho do Patrimônio Histórico Cultural (Compahc), considera precipitado fazer qualquer comparação do desenho com o símbolo nazista:
— Sem ver o projeto (do restauro), é difícil avaliar. Dizer que o piso faz referência, considero muito forte. E para comprovar que é um restauro do original, teria de ver o projeto. Então, até agora, todo mundo está apenas achando. E, sinceramente, olhando o conjunto, não me parece uma suástica.