— Aqui ficava o altar principal, aqui ficavam os bancos e aqui ficavam as sepulturas dos bispos.
As lembranças de Eda Maria Arone Rojo parecem ganhar vida quando ela entra na cripta da Catedral Metropolitana de Porto Alegre, espaço que hoje funciona como salão nobre. Entre 1929 e 1948, o local recebeu as celebrações religiosas de forma provisória, enquanto a parte principal era construída — e é lá onde a aposentada e dona de casa de 89 anos lembra de ter participado das suas primeiras missas, ainda criança. Agora, na comemoração do centenário do lançamento da pedra fundamental do templo, Eda tem uma coleção de momentos guardados na memória.
A introdução na vida religiosa foi feita pela mãe, que costumava frequentar a Catedral, já que desde pequena Eda morava no centro da cidade. A catequese, a primeira comunhão e a crisma foram feitas ainda na cripta – esse último sacramento realizado pelo então arcebispo dom João Becker, responsável pelo início da construção do prédio. Depois que a parte principal da igreja foi construída, a idosa também se recorda de visitar cada cantinho:
— Depois de construída, a gente andava aqui por cima. Eu era muito de querer saber as coisas, então nós entrávamos em um acesso para a parte intermediária e chegávamos lá em cima da igreja. A gente caminhava pelas beiradas até a frente, onde enxergava toda a Praça da Matriz e a Rua Duque de Caxias. Eu era muito peralta, jovenzinha ainda, e tinha plena liberdade de transitar. Minha mãe ficava tranquila porque eu não ficava na rua, e eu me criei aqui.
Encontro com o Papa
Depois de adulta, Eda continuou envolvida com a vida religiosa, sempre dentro da Catedral. Cantou no coral, foi diretora do Apostolado da Oração e participou de ações sociais, como a distribuição de sopão e cachorro-quente para entidades que atendiam pessoas em situação de vulnerabilidade.
Mas um dos momentos inesquecíveis foi quando o papa João Paulo II visitou Porto Alegre, em 1980. À época, ele esteve na Catedral, mas o encontro de Eda com o pontífice ocorreu em uma das esquinas do Centro:
— Meu marido tinha falecido em 1979, então eu estava em uma depressão horrível. E o Papa veio para Porto Alegre. Eu estava em casa pensando que não ia sair para ver, mas lá pelas tantas parece que meu anjo da guarda me empurrou e saí de casa. A comitiva dele estava descendo a lomba da Rua Espírito Santo (ao lado da Catedral). Cheguei na esquina e parei bem na ponta da calçada. Eu já estava chorando emocionada, e aí a carruagem parou na esquina e foi impressionante: ele olhou para mim e deu uma bênção especial só para mim, porque era só eu ali naquela hora. Foi um momento muito bonito da minha vida.
Em dezembro de 2018, a idosa deixou o cargo de presidente do Apostolado da Oração, recebendo uma homenagem, e se afastou das atividades devido à idade — à época, estava com 86 anos. Depois, com a pandemia, passou a ficar mais tempo na casa onde morava com o filho Marcos, no Centro. No entanto, a covid-19 levou o filho, e Eda mudou-se para o bairro Jardim Itu-Sabará, onde vive hoje com o outro decendente, Rogério, e sua família.
— Minha vida religiosa foi toda aqui. Só tenho boas recordações. Mas agora estou afastada, estou muito triste, muito doída. Ainda assim assisto (de casa) à missa da Catedral, três ou quatro missas por dia, que ajudam a superar esses momentos tristes. Tudo tem seu tempo para acabar.
Rogério, que também lembra de conhecer cada recanto da Catedral e até de ter subido na cúpula, agradece à mãe pela introdução na vida católica:
— Se aqui foi a minha segunda casa, para ela foi a primeira. A Igreja sempre foi o amparo dela. E ela não só recebeu amparo, como também sempre tem palavras boas e aprendizado para passar.
Mais de duas décadas no comando da música
Se Eda cantou no coral, Izabel Czyz, 74 anos, encanta os fiéis com outro tipo de música: a do órgão de tubos. Há 26 anos, ela é contratada como organista da Catedral, e toca e canta diariamente nas celebrações, com exceção das missas de sábado.
São dois instrumentos usados alternadamente. O maior deles e que mais chama a atenção é o da marca Merklin-Schütze, que possui seis registros com 133 tubos. Foi fabricado em Paris e adquirido pelo bispo dom Sebastião Dias Laranjeira em 1870. Em 1987, foi desmontado e ficou sem uso por muitos anos. Somente em 2011 decidiu-se por sua restauração e pelo retorno ao prédio, o que ocorreu em 2012.
— O pessoal que vem de outros Estados acha uma maravilha essa Catedral ter música diariamente. Não é a gente vir aqui e tocar só o que quer; tem que ser algo que condiga com a liturgia diária. Conforme o santo, conforme o evento, conforme a missa — conta Izabel, que toca instrumentos desde os sete anos de idade e formou-se em Música e em Teologia.
O convite para tocar diariamente veio depois que fez uma substituição a uma colega. Desde então, vai sempre à Catedral, "faça vento, sol ou chuva".
— Faço um trabalho com humildade, com muito amor.