Moradores da Região Metropolitana já começam a sentir os efeitos da parceria público-privada (PPP) estabelecida pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), cujo contrato foi assinado em março. A Ambiental Metrosul começou, há duas semanas, as obras de interligação de redes de coleta de esgoto em Canoas. Já em Gravataí, os trabalhos foram iniciados ainda em julho. Com isso, a empresa antecipou a largada dos trabalhos que, segundo o cronograma inicial, estava prevista para o segundo semestre de 2022.
A empresa garante que os consumidores serão diretamente beneficiados, mas alguns moradores contestam o serviço. Em Canoas, no bairro Harmonia, serão realizadas 4,5 mil conexões à rede de esgoto, além de 30 quilômetros de rede coletora, até o final de 2021. A partir disso, a Corsan deverá emitir avisos aos moradores da região informando quanto à necessidade de interligar o esgoto doméstico aos canos de coleta cloacal em até quatro meses.
— A partir do momento em que as obras ficarem prontas, as pessoas serão avisadas pela concessionária e terão o prazo de quatro meses para se conectar. Quanto mais cedo esses moradores fizerem isso, maiores serão os descontos que receberão pelos serviços de vistoria — diz o diretor- presidente da Ambiental, Ângelo Mendes.
Assim que disponibilizados os serviços, os moradores vão receber notificações da Corsan, nas quais são explicados os prazos para a realização da conexão das suas redes domésticas à pública. As cartas ainda informam que, se em até 30 dias o consumidor fizer a conexão, haverá até seis meses de carência para começar a pagar a tarifa de esgoto e 75% de desconto nos custo da vistoria.
A partir disso, as “vantagens” diminuem: em até 120 dias, termina o prazo de carência na tarifa e acabam os descontos progressivos no pagamento da vistoria (veja detalhes abaixo). O valor cheio para o serviço de vistoria é de R$ 59,85, conforme último reajuste aprovado pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs).
Depois dos quatro meses de instalação das redes, começa a valer a chamada tarifa de disponibilidade do serviço. Transcorridos todos os prazos de incentivo, um imóvel residencial básico ligado ao sistema de esgotamento sanitário paga R$ 4,44 a cada metro cúbico de esgoto, enquanto um não ligado pagará R$ 8,88.
— A partir da conexão, o consumidor começa a pagar por esse novo serviço, e quem eventualmente não fizer a ligação, passará a pagar em dobro como uma penalidade — explica o diretor-presidente da Corsan, Roberto Barbuti.
Atentos às obras em frente a suas casas, em Canoas, os vizinhos Alfeu da Costa Anderson e Vilson Marino Alves estão preocupados com a resolução. Segundo eles, de cima para baixo, chegou a definição de que terão de abrir seus banheiros e pátios localizados na Rua Romeu Morsch, no bairro Harmonia, para realizar a conexão à rede coletora de esgoto. Os trabalhos de instalação da rede coletora estão ocorrendo quadra a quadra, a fim de minimizar os transtornos, de acordo com a Metrosul.
— Já estava ciente e acho que é realmente bom ter saneamento básico, mas discordo que a empresa não faça a ligação do esgoto das casas. É um serviço que vai aumentar a nossa conta de água e esgoto e ainda teremos de arcar com o custo de pedreiro e materiais de construção. Acho errado ter de tirar do nosso bolso, já que eles vão lucrar por disponibilizar o serviço —reclama Alves, caminhoneiro aposentado.
As casas deles, assim como as dos demais moradores da região, utilizam fossas sépticas. Outras zonas de Canoas também passarão pelo mesmo processo, considerando que menos de 30% dos imóveis estão conectados à rede coletora de resíduos domésticos.
O Marco Legal do Saneamento Básico mantém o que já estava previsto naLei 11.445/07 acerca da obrigatoriedade da interligação do esgoto doméstico à rede pública. A nova legislação federal, sancionada pela Presidência da República em julho do ano passado, reforça essa necessidade, argumenta o advogado Luiz Gustavo Kaercher Loureiro, sócio do escritório Souto Correa e especialista em direito administrativo e regulatório na área de saneamento:
— É um problema que transcende o usuário, já que cada economia (prédio) que hoje não está ligada a uma coleta de esgoto é um problema ambiental. De outro lado, a companhia faz investimento e leva infraestrutura às residências, portanto, sob qualquer aspecto, essa tarifa se justifica.
Segundo o advogado, contestações ao pagamento de taxas e tarifa de disponibilidade pelo serviço de saneamento básico somente são cabíveis aos consumidores de baixa renda.
Além dos trabalhos de saneamento no bairro Harmonia, outras áreas da cidade receberão obras ainda em 2021, atendendo assim, mais de 13 mil pessoas, conforme a Ambiental Metrosul. Essas ligações integram o pacote das 11 mil conexões às redes de esgoto que serão executadas até o final deste ano em Alvorada, Cachoeirinha, Eldorado do Sul, Esteio, Gravataí, Guaíba e Viamão. Todos os municípios têm baixos índices de conexão a redes públicas de esgotamento sanitário.
Conexões em Gravataí
Em um contexto de pouco saneamento básico, alta concentração populacional e novas exigências de investimentos estabelecidos pelo novo Marco do Saneamento, a PPP da Região Metropolitana promete alcançar quase 90% de esgoto tratado em até 11 anos nas cidades de Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado do Sul, Esteio, Gravataí, Guaíba, Sapucaia do Sul e Viamão.
Hoje, com aproximadamente 25% do total do esgoto coletado e tratado, Gravataí precisa ser colocada no contexto de toda a Região Metropolitana. Somente do município, a bacia do Rio Gravataí é formada por, pelo menos três grandes arroios que drenam o rio, passando pela zona urbana e rural. O rio passa por nove municípios altamente urbanizados, que emitem efluentes domésticos e industriais, além de resíduos da agricultura.
— A questão do saneamento básico é uma dívida histórica com a população na região. O grande problema de Gravataí, assim como outros municípios, é a falta de coleta e tratamento do esgoto cloacal que acaba desaguando no Rio Gravataí. A PPP firmada pela Corsan vai atuar nisso, mas a situação ainda é muito inicial — ressalta o geólogo da Fundação de Meio Ambiente de Gravataí (FMMA) José Alberto Cariolatto Pinheiro.
A partir das obras de conexão à rede de esgoto, moradores como Paulo Moacir Custódio, do bairro Castelo Branco, de Gravataí, já estão recebendo cartas da Corsan informando sobre a obrigatoriedade de ligação da sua residência à rede coletora.
Ele vive da Rua Medianeira há cinco décadas, onde obras de conexão foram realizadas ainda em julho. Custódio não reclama da interligação da rede domiciliar. Entretanto, critica a qualidade do serviço realizado por uma prestadora de serviços terceirizada pela Ambiental Metrosul. Conforme o pintor industrial automotivo, os trabalhos tiveram de ser refeitos por outras equipes desde então, já que calçadas e canos foram quebrados e não consertados. Adicionalmente, como sua casa está em nível abaixo da via, há dificuldades para a realização da conexão da rede de esgoto doméstica à rede cloacal.
— Tenho a perspectiva de que isso tudo funcione um dia e façam a conexão ao meu banheiro. Do jeito que fizeram, me prejudica mais. Desligaram a rede por onde passa a água da chuva, onde é permitido enviar a água limpa da casa. Estou com medo do que vai acontecer quando houver a primeira chuvarada — reclama.
Na Medianeira, que não tem asfalto, há desnível e buracos na via, o que, segundo Custódio, é resultado do uso de máquinas pesadas pelas equipes da terceirizada. Já na transversal, é possível observar saibro para cobrir os buracos feitos na Rua Santa Úrsula.
Segundo a Corsan, "o motivo do problema é que na referida rua há imóveis com esgoto pluvial ligado na rede cloacal, causando o transbordamento desta quando chove. O imóvel em questão foi afetado por estar abaixo do nível da rua. A equipe da Ambiental Metrosul esteve no local, onde realizou a desobstrução da rede com caminhão hidrojato, auxiliou na limpeza da residência afetada e refez a calçada. A Ambiental Metrosul realiza desobstruções periódicas na rede e, para resolver a situação de forma definitiva, está fazendo avaliação técnica a fim de corrigir as ligações de esgoto no local. Ressaltamos que é proibido lançar esgoto pluvial (água da chuva) na rede cloacal, visto que esta não é dimensionada para receber tal incremento".
Na tarde em que a reportagem visitou o bairro, na última quinta-feira (12), dois funcionários estavam vistoriando as caixas de inspeção colocadas nas calçadas.
Tarifas pela disponibilidade do serviço de esgoto
Após a realização do serviço e recebimento de notificação da companhia de abastecimento, confira os prazos para conexão ao sistema e cobranças:
- Até 30 dias após a notificação: seis meses de carência na tarifa de esgoto e pagamento de R$ 13,93 pela vistoria
- De 31 a 60 dias após a notificação: três meses de carência na tarifa de esgoto e pagamento de R$ 27,89 pela vistoria
- De 61 a 120 dias após a notificação: um mês de carência na tarifa de esgoto e pagamento de R$ 47,88 pela vistoria
- Após 120 dias após a notificação: início da cobrança por disponibilidade, o custo por metro cúbico de esgoto dobra e o valor é baseado no consumo de água
A tarifa pela disponibilidade evolui conforme decorrem os prazos desde a primeira notificação da seguinte forma:
- Segunda notificação comercial é emitida após 120 dias da 1ª notificação, comunicando o imóvel que não se conectou que entrará no processo da cobrança pela disponibilidade, sendo concedido desconto de 50% sobre o valor da tarifa da disponibilidade por até 90 dias, para estimular a ligação
- Transcorridos mais de 90 dias, o imóvel que não se conectou tem redução no desconto sobre o valor da tarifa da disponibilidade para 25%, por até 180 dias
- Após mais de 180 dias, o imóvel que não se conectou tem redução no desconto sobre o valor da tarifa da disponibilidade para 12,5%, por até 180 dias
- Transcorridos mais de 180 dias (totalizando prazo de 450 dias desde a 1ª notificação), o imóvel que não se conectou passa a pagar o valor integral da tarifa da disponibilidade até que efetive sua ligação