Depois de receber roupas, tomar um banho e jantar massa com salsicha na noite de terça-feira-feira (27), no Gigantinho, em Porto Alegre, Severino Antunes Vargas, 57 anos, afirmou que pode dormir sossegado e aquecido. Ele é um dos 102 moradores em situação de rua que passaram a noite fria no ginásio.
— Pude dormir sossegado, com os dois olhos fechados, o que não fazia há mais de um mês. Na rua, a gente dorme com um olho aberto e outro fechado — explicou Vargas na manhã desta quarta-feira (28).
Seu Servino, como é conhecido, está nesta situação há pouco mais de um mês. Ele é divorciado e tem duas filhas morando em Santo Ângelo. Após sair de uma empresa em que trabalhava — na zona norte da Capital — ajudando caminhoneiros a descarregar produtos alimentícios nos últimos 25 anos, ele ainda aguarda pelos valores e demais benefícios que alega não ter recebido. Como não tem dinheiro e morava no mesmo local onde trabalhava, passou a viver nas ruas do Centro, dormindo embaixo de marquises na Avenida Borges de Medeiros. Para enfrentar o frio, apenas dois cobertores.
Sempre com um carrinho de supermercado e com vassouras para limpar o local onde dorme no chão, ele passou a juntar latas e garrafas pet. Objetivo: conseguir dinheiro para ir até a casa das filhas no Interior.
— Quero ir lá (Santo Ângelo), mas sigo aguardando o que tenho de direito. E graças a Deus, veio essa oportunidade do Gigantinho. Vim direto pra cá e hoje (quarta-feira) vou voltar certo — ressaltou Seu Servino.
Ajuda
Apesar do ginásio seguir com as portas abertas por tempo indeterminado, enquanto perdurar o frio intenso, o morador de rua pode não retornar à noite. Após expor sua situação, ele recebeu apoio de várias pessoas se solidarizando e se oferecendo para comprar a passagem, inclusive a empresa de ônibus Ouro e Prata.
Emocionado, ele agradeceu e disse que irá ao Gigantinho agradecer pelas refeições, ressaltando o quentão, sem álcool, para se aquecer na noite que registrou temperaturas entre 4º C e 6 º C na região.
A presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), Cátia Martins, confirmou que 102 pessoas passaram a noite de terça-feira e a madrugada desta quarta-feira no Gigantinho. Outras 196 foram acolhidas em albergues de Porto Alegre. Quatro veículos fizeram ronda social. No estádio também há um espaço destinado para cães, mas nenhum animal foi conduzido até o local nesta primeira noite.
A maioria das pessoas no ginásio era homem, ao todo, 97. Das cinco mulheres que estiveram no local, uma é gestante e foi encaminhada para pré-natal em hospital da cidade. Além disso, seis pessoas precisaram de atendimento médico e uma delas foi encaminhada para emergência hospitalar devido a ferimento em um dos pés. Outros dois moradores em situação de rua pediram para serem acordadas às 5h, mesmo antes do café, porque tinham entrevistas de emprego e saíram mais cedo do local.
O café foi servido às 8h. Mas Seu Servino, por exemplo, não quis porque também saiu cedo do Gigantinho para juntar latinhas e garrafas plásticas no bairro Menino Deus, segundo ele. Já Romário Ramos de Oliveira, 29 anos, desde os nove vivendo na rua, aproveitou para ficar um pouco mais no ginásio e tomar café com leite e comer um sanduíche.
— A gente combate como pode, pede ali, pede aqui, fica num abrigo, dorme na rua e assim vai indo. Mas senhor, isso que fizeram hoje (quarta-feira), isso um projeto bacana, tiveram atitude com a gente morador de rua — disse sobre o frio e não pensou duas vezes ao responder que pela noite irá voltar ao Gigantinho.
Cátia, presidente da Fasc, lembra que todos que não foram vacinados, irão receber o imunizante pela noite, quando o local voltar a ser aberto. Além disso, atendimentos de saúde e entrevistas com o Sistema Nacional de Emprego (Sine) serão realizados com os moradores de rua.
Mais ajuda
O proprietário de uma rede de barbearias de Porto Alegre disponibilizou corte de cabelo e barba de graça àqueles que forem em uma das lojas, com o encaminhamento feito pelo Sine, para que possam ter uma melhor apresentação na hora de tentar um emprego. A Fasc já entrou em contato com o empresário.
Além disso, o coordenador do Centro de Triagem do ginásio Tesourinha, Cláudio Franzer, levou nesta quarta-feira 500 peças de roupas doadas pela população às pessoas que passarão as demais noites de frio no Gigantinho. Ele encaminhou blusões, casacos, toucas, luvas, meias, calças e roupas íntimas.
Gigantinho
O ginásio passou por reforma, foram instalados quatro chuveiros elétricos e as camas foram fornecidas pelo Exército. Um hotel doou roupas de cama e toalhas. Voluntários se ofereceram para servir as refeições. No local também, além de integrantes da Fasc, passaram a noite no imóvel agentes da EPTC, Guarda Militar, bem como policiais militares e socorristas com ambulâncias.
Durante a manhã desta quarta-feira, os guardas e PMs tiveram de ser acionados porque um pequeno grupo de moradores em situação de rua estava reclamando da demora para chegar o café e também da forma como foi servido, em um recipiente de plástico. A Fasc ressaltou que a situação foi controlada e que o material, apesar da insatisfação do grupo, era novo, além de estar limpo e higienizado.