Porto Alegre perdeu sua Rapunzel na manhã desta quinta-feira (15). Protagonista de uma das principais lendas urbanas da cidade, Nilza Linck morreu aos 98 anos, no Hospital Beneficência Portuguesa. Ela havia sido internada na segunda-feira (12) em razão de uma parada cardiorrespiratória.
Foi para ela que, na década de 1940, o político Carlos Eurico Gomes construiu o castelo de pedras cinzas em estilo gótico da esquina das ruas Fernando Machado e General Vasco Alves, no Centro Histórico. Nilza viveu quatro anos praticamente encarcerada ali no “castelinho do Alto da Bronze”.
A filha de criação, Fátima Cardoso da Silva, 56 anos, relata que Nilza havia se recuperado de uma pneumonia no começo do ano e estava animada para celebrar o aniversário de 99 anos no dia 8 de agosto.
— Ela estava bem, tinha feito as vacinas contra a covid-19 e tudo. Mas o coração vai enfraquecendo pela idade — relata, muito abalada.
Para Fátima, Nilza será lembrada como uma mulher guerreira, de personalidade forte, que lutou muito, até o fim da vida. Ela destaca que, na juventude, a mãe era considerada uma das mulheres mais bonitas da cidade, atraindo a atenção de homens poderosos. E nunca perdeu a vaidade.
— Ela estava sempre com o cabelo arrumado, nunca saiu do quarto sem estar maquiada — relata.
GZH entrevistou Nilza em 2016, na casa de cerca branca em que morava no bairro São João, na zona norte da Capital, decorada com pelo menos uma dezena de fotos suas de quando era jovem e muitas flores. À época, a reportagem a encontrou bem como Fátima descreve: vestida elegantemente, com várias bijuterias e batom vermelho, muito doce e atenciosa.
Na ocasião, Nilza falou sobre o tempo que passou no castelinho:
– As pessoas falavam que eu era uma prisioneira, e eu me sentia uma prisioneira.
A história de Nilza no castelinho
Sua história foi publicada no livro A prisioneira do Castelinho do Alto da Bronze (Artes & Ofícios, 1993), do jornalista Juremir Machado da Silva. Carlos Eurico Gomes abandonou a primeira mulher (Ruth Caldas) e suas três filhas para viver no castelo de pedras que construiu para Nilza, então com 18 anos, depois de pesquisar os castelos de séculos passados. Ele a mantinha sob uma vigilância tão rígida que a impedia de se aproximar das janelas do prédio. Chegava a ameaçá-la com uma arma de fogo, segundo Nilza.
Ela voltou pelo menos três vezes ao castelo, uma delas em 2009, a convite de artistas plásticos que usavam o espaço como ateliê.
– Ainda nos anos 1950, soube que ali funcionava uma boate. Tive de ir lá conferir o que tinham feito do lugar em que morei – contou, com bom humor, à ZH naquela ocasião:
– Fiquei quieta, mantendo-me anônima enquanto ouvia os frequentadores contarem histórias, todas falsas, sobre “o que teria acontecido com aquela mulher que morava no castelinho”. Diziam que eu tinha fugido do rico proprietário para me casar com um homem pobre e vivia na sarjeta, vê se pode. Pior é que de lá pra cá ouvi lendas ainda mais absurdas.
Nilza tinha muito luxo enquanto viveu ali, cheia de joias, cercada por cortinas douradas de cetim e móveis finos, de jacarandá. Naquele encontro com os artistas e a imprensa, não deixou transparecer a tristeza ao relembrar o episódio:
– O que passou, passou. Não posso ter mágoa do que já ficou para trás. E, afinal de contas, a vida é tão engraçada, né? Tudo o que acontece com a gente, olhando com uma boa distância, parece tão cômico.
Cansada dos ciúmes de Carlos Eurico, Nilza o deixou em 1952.
O corpo será velado nesta sexta-feira (16) no Cemitério São Miguel e Almas, a partir das 10h, e o sepultamento está marcado para as 14h.