A rua onde morava um serial killer, o castelo de pedras que aprisionou uma linda mulher e o largo em que os condenados eram enforcados no século 19 são paradas de um tour sobre as lendas urbanas de Porto Alegre, que ocorre a cada duas semanas no Centro Histórico. A caminhada noturna de dois quilômetros é realizada desde o ano passado por dois guias de turismo do projeto Viva+POA.
Evandro Costa, 27 anos, e Tamara Dias, 35 anos, conduzem o walking tour a partir do Viaduto Otávio Rocha, na Avenida Borges de Medeiros, mesclando os relatos do imaginário popular com informações documentadas. Volta e meia, um dos dois some para reaparecer em uma fantasia. É que, como em um teatro de rua, personagens das histórias surgem ao longo da caminhada para contar a sua versão.
A primeira parada do tour é em frente ao Museu Júlio de Castilhos, onde morreu o presidente do Rio Grande do Sul — ele não resistiu a uma cirurgia para remoção de um câncer na traqueia realizada ali na sua casa e faleceu em 1903. Dois anos depois, sua esposa, Honorina, cometeu suicídio dentro do casarão, consagrando a fama de mal-assombrado do prédio. A sombra dos galhos das árvores projetada pela iluminação da rua na fachada de linhas neoclássicas só endossa o relato assombroso dos guias.
Os túneis subterrâneos do Palácio Piratini e o cemitério açoriano que havia na área da Cúria Metropolitana há mais de 200 anos são abordados no caminho, levando ao momento mais sombrio da noite: a história do linguiceiro da Rua do Arvoredo. Ela se passa na metade do século 19.
— O Jack Estripador ainda era criancinha e esse já estava causando — comenta Tamara.
A localização exata da casa do assassino em série José Ramos é uma incógnita: a rua ganhou um traçado diferente e passou a ser chamada de Fernando Machado. Reza a lenda que dos corpos das vítimas seria produzida a linguiça, vendida em um açougue da cidade.
Quem conta esse causo é o próprio José Ramos, com um avental branco manchado de sangue e um machado em mãos. Ele dá detalhes sórdidos de como matava, como desossava e como preparava a iguaria canibal, com base em trechos do livro O Maior Crime da Terra, de Délcio Freitas. José Ramos de fato foi condenado e preso por homicídios, mas no julgamento não se cogitou que eram feitas linguiças com a carne das vítimas.
Os corajosos participantes andam então em direção ao “Alto da Bronze”. Na Rua Vasco Alves, conhecem o castelinho de inspiração medieval construído em pedras cinzas na década de 1940 pelo político Carlos Eurico Gomes.
Aprisionou nele a sua amante, uma linda jovem chamada Nilza Linck. Ele era tão ciumento que não a deixava sair do castelinho sozinha, quanto menos cumprimentar os vizinhos ou se aproximar das janelas. Chegou a ameaçar ela de morte. Nilza viveu quatro anos praticamente encarcerada até arranjar coragem para deixar o homem.
O tour ainda passa pela Praça Brigadeiro Sampaio, onde eram penalizados os escravos condenados por seus senhores, de chibatadas à forca. Diz a lenda que ali, segundos antes de ter o alçapão aberto sob seus pés e despencar com a corda no pescoço, um escravo condenado de roubar uma joia na Igreja das Dores lançou uma maldição:
— Como prova da minha inocência, vocês nunca vão ver as torres da igreja construídas.
As obras, de fato, se arrastaram por décadas: iniciadas em 1807, só foram terminadas em 1904. E é na frente do templo monumental de arquitetura eclética que o tour é finalizado. É quando Tamara conta a última lenda, essa sem demonstrar muita convicção.
— Dizem que quem casa aqui não descasa. Será?
Morando em Porto Alegre há 15 anos, o empreendedor Wayner Bechelli se espantou com o tanto que não sabia sobre a Capital. Relata que é muito comum se fazer walking tours ao visitar outras cidades, e lhe parece “um absurdo” não experimentar no próprio município. O adestrador de cães Mauricio Castro Pinzkoski se surpreendeu especialmente com a qualidade da encenação feita pelos guias:
— É um passeio que faz você entrar na história.
Para participar da experiência, é cobrado o valor de R$ 35 por pessoa. O percurso realizado duas sextas-feiras por mês, das 19h às 21h30min. É possível obter mais informações no site do projeto Viva+Poa e nas redes sociais.