Não há plebeu que não repare no topo do terreno à altura do número 9.343 da Avenida Bento Gonçalves, na zona leste de Porto Alegre. Entre os múltiplos comércios e residências de uma das vias mais movimentadas da Capital, o local exibe um ícone da realeza: um castelo em pedra com quatro torres, de frente para o Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Seus nobres habitantes dispensam pompa. Foi de calça jeans, suéter e tênis esportivo que Antônio Roslank, soberano do pequeno reino, recebeu GaúchaZH para apresentar o local onde vive com a esposa, Maria, e um de seus quatro netos. De pantufas com estampa de onça, calça leve e tricô lilás sobre uma camisa branca, a rainha do lar trabalhava em uma máquina de costura.
Ao contrário de boa parte dos aristocratas, a família real porto-alegrense não tem origem abastada. Natural de Santo Ângelo, nas Missões, Antônio, 75 anos, mudou-se para a Capital no final da década de 1950. Trabalhou como padeiro antes de entrar no ramo das autopeças, onde mais tarde abriria o próprio negócio, na Avenida da Azenha — hoje é dono de três pontos, na citada avenida e na Rua Professor Freitas e Castro.
— Começamos com a roupa do corpo — recorda Maria, nascida em Veranópolis.
Iniciados em 1974 com uma loja de autopeças, os negócios da família já prosperavam quando o casal decidiu, no final da década de 1980, adquirir o primeiro imóvel na Avenida Bento Gonçalves. Moradia da família por mais de uma década, a propriedade térrea em estilo rústico que segue ao lado do castelo lembra uma casa de campo. O amplo terreno permitiu à dupla transformar o ambiente em uma mini propriedade rural, com horta, árvores frutíferas, galinhas, patos, gansos e vacas — além de meia dúzia de cachorros.
Mudar-se sequer estava nos planos de Antônio e Maria quando teve início a construção que hoje se destaca na paisagem urbana da via que liga Porto Alegre a Viamão. Gremista fanático, o santo-angelense queria à época um espaço maior para reunir-se com a confraria de amigos igualmente tricolores que frequentava sua casa — realizavam churrascos em um pequeno galpão ao lado do imóvel. A ideia era que o salão de festas, no topo do íngreme terreno, fosse o mais simples possível, preferencialmente em pedra, "para não precisar pintar".
— Não tinha nenhum plano, nenhuma inspiração — conta Roslank.
Mas, a medida em que a obra avançava, o espaço com vista privilegiada para o Morro Santana parecia subaproveitado. Surgiu, então, a ideia de construir um segundo piso, que serviria de moradia para o casal. Logo Antônio acharia prudente que a casa tivesse quartos para seus dois filhos, já adultos, providenciando um terceiro pavimento. Encantado pelo verde do morro em frente, fez questão de finalizar a obra com um mirante, acessado por uma escada em caracol.
Elemento determinante para o ar majestoso do imóvel, as torres que podem ser avistadas a quase uma quadra do local não foram fruto de impulsos de grandeza, mas de conversas animadas durante os encontros da confraria.
— Isso foi a cerveja de fim de semana. Um belo dia ele (Antônio) foi na Azenha, comprou um quadro com uma foto de um castelo e disse que queria as torres iguais. Foi dali que saíram — sorri Maria.
Torres foram reconstruídas por escultor
Feitas em alumínio, as primeiras torres — "ridículas", na definição Roslank—, foram reconstruídas pelo escultor Caé Braga, seu amigo pessoal, que atribuiu significado religioso a três delas: na sua visão, representariam uma espécie de santíssima trindade, e por isso teriam formatos diferentes. Cristão não praticante — ex-noviça, Maria é a religiosa do casal —, Antônio não compartilha do entendimento do amigo. Atendendo a um pedido seu, uma delas leva um gnomo sentado, "para cuidar da natureza".
Da primeira pedra à última torre, o castelo levou cerca de dois anos para ser concluído. Mais de 40 pessoas trabalharam na obra, que intrigou os vizinhos:
— No começo eu achava que iam construir uma casa de pedra normal, depois apareceu o castelo. É muito lindo — observa o mecânico Robson Dimare, que atua em uma oficina a metros do imóvel.
Se o exterior suntuoso impressiona, por dentro, o castelo da Bento Gonçalves assemelha-se a uma casa convencional. O primeiro pavimento, que em tempos idos chegou a ser alugado para eventos — segundo o dono, foi palco inclusive do casamento de um escocês "de saia e tudo" —, é atualmente usado como garagem, varal interno e depósito das mesas, cadeiras e eletrodomésticos não utilizados. É nele onde, atrás de uma geladeira desligada, o empresário preservou o quadro kitsch que inspirou as torres.
Parte mais habitada, o segundo pavimento conta com uma sala ampla com sofás em couro, cozinha e a suíte do casal. Um espelho com o símbolo do Grêmio, um bar e quadros dos papas Bento XVI e João Paulo II — rodeiam a mesa comprida onde fazem as refeições. Com menos mobília, o terceiro piso é onde dorme o neto, em um dos quartos construídos para os filhos — e por eles nunca utilizados.
Dois casais de caseiros auxiliam a família, que continua consumindo os vegetais que plantam, ovos das galinhas que circulam livres pelo gramado, leite das próprias vacas e queijo feito de forma artesanal. Na visão da realeza urbana, os luxos são subjetivos: uma vista sem obstáculos do maior morro da Capital e a atmosfera de cidade de interior que, por momentos, faz o visitante esquecer-se que está às margens de um ponto de incessante tráfego de veículos.
— Fui criado tipo bicho, gosto de olhar o mato. Hoje sento na sacada e vejo todo aqueles verde, a revoada dos pássaros... Tem gente que vê um castelo aqui, mas eu enxergo de maneira mais simples. É só a minha casa — reflete Antônio.