Caco foi chamado de Everton Alfonsin somente até os 10 anos de idade. Quando deixou a casa dos pais e passou a viver nas ruas da zona norte da Capital, ganhou o apelido em referência ao sapo do desenho animado, alcunha pela qual é conhecido na cidade em que reside atualmente, Canoas, na Região Metropolitana. Além do novo batismo, a experiência na infância despertou nele a paixão pelos automóveis — durante um período, trabalhou nas antigas kombi táxi-lotação de transporte seletivo. E, segundo afirma, a falta de recursos fez com que passasse a dar mais valor a ações nas comunidades carentes.
— Eu fui tirado da rua e aprendi que se tu faz o bem, recebe de volta — afirma.
Aos 51 anos, Caco é o atual presidente da Ação Social Santa Isabel, mantenedora do Lar de idosos São José, e também empresário. Fundou a oficina de customização Cia do Caco, onde vende carrinhos de brinquedo originais ou estilizados. As réplicas têm referências a cenários detalhadamente personalizados: escritórios, delegacias com viaturas da polícia, postos de combustíveis, entre outros, ganham até mesmo a foto do cliente em miniatura.
Parte dos lucros do comércio é revertida para a entrega de cestas básicas em 11 bairros de Alvorada, Canoas e Porto Alegre. As doações são comprovadas pelas centenas de imagens mantidas no telefone celular e publicadas no perfil do Instagram.
A mais nova iniciativa voluntária está pronta, prestes a ser lançada. A partir do mês que vem, colocará em circulação um ônibus com consultórios adulto e pediátrico para atendimento gratuito nas mesmas regiões em que há distribuição de alimentos. O veículo, modelo Mercedes, fabricado em 2000, foi adquirido e montado com a venda dos carrinhos, garante o empresário, técnico em mecatrônica.
— Fizemos tudo aqui em quatro meses. Compramos o ônibus, colocamos a forração, dois aparelhos de ar-condicionado e os consultórios para levar os médicos até os moradores — explica.
A equipe profissional móvel será formada por estagiários de cursos de saúde da região, além dos médicos que atendem no asilo: clínico geral, pediatra e geriatra. Assistentes sociais e pedagogas complementarão o atendimento.
A reforma do coletivo, que incluiu a instalação de um elevador para cadeirantes, já foi finalizada. Mas a saída da garagem aguarda uma data especial: a organização presidida pelo voluntário completa 60 anos em 2 de agosto. A ideia é fazer uma pré-inauguração no último domingo de julho e repetir o gesto uma vez por mês, nos três municípios. O custo total, somada a aquisição, é de R$ 100 mil, bancados com recursos próprios — não há, reitera o idealizador, qualquer convênio com as prefeituras.
— Não gostamos de misturar política. Tudo é voluntário, uma forma de devolver as bênçãos que tive até hoje — justifica.
Procuradas por GZH, as prefeituras das cidades que estão no roteiro da unidade de saúde móvel afirmaram não haver restrições para a atividade. É solicitado um comunicado por parte do empresário e a estrutura do local passa por uma vistoria prévia.
Pintado de preto, o ônibus ganhou a frase “Unidade Móvel Cia do Caco” na lateral. A referência à paixão da família, os carros de corrida, está expressa nos adesivos que lembram a bandeirada na linha final das pistas de competição — Caco é piloto profissional e ministra um curso de direção evasiva às forças policiais gaúchas, com foco nos casos em que é necessária a perseguição a criminosos.
Filho de Caco, o técnico em informática Alex Lemos, 28 anos, é o responsável pela arte da unidade móvel.
— É gratificante demais esse trabalho voluntário. A gente nota a diferença quando vai na vila e vê quem precisa de ajuda. A pessoa se abraça na cesta básica. Tu sabe que ela vai comer todos os alimentos ali, não vai desperdiçar nada — comenta o jovem.
O maior desafio da reportagem de GZH, ao acompanhar o empreendedor na manhã desta quarta-feira (16), foi identificar qual das entidades o deixa mais orgulhoso: o esmero no cuidado da casa dos idosos, que emprega 70 funcionários e acolhe 50 pessoas, os veículos customizados ou a loja multicolorida com 12 mil miniaturas — entre elas, sua primeira criação, uma retroescavadeira de madeira. Há, ainda, uma área para a veneração aos santos da Umbanda, que o protegem no plano espiritual.
— O ontem não tem o que fazer, talvez amanhã não tenha tempo. Por isso, vamos levar saúde até as comunidades, levar esperança às pessoas no hoje. Estamos aqui na vida de passagem, nada levamos — finaliza o voluntário.