Dos 166 dias desde o início do governo Sebastião Melo, o prefeito de Porto Alegre escolheu uma terça-feira (15) peculiar para encaminhar à Câmara Municipal um projeto de lei que autoriza a desestatização da Carris, empresa de economia mista do transporte público da Capital.
No mesmo dia, no fim da tarde, o Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu) aprovou em votação a tarifa técnica de R$ 5,17 (na prática, R$ 5,20), valor que a passagem de ônibus deverá ter na cidade caso seja a única forma de receita para arcar com o custo do sistema. Essa tarifa deixa Melo entre a cruz e espada: o prefeito considera o valor inaceitável, mas também reluta em prorrogar subsídios que, desde a pandemia, vem mantendo a passagem nos atuais R$ 4,55.
“Precisamos discutir com a Câmara e a sociedade a remodelação do transporte coletivo. O modelo atual faliu, e o cidadão não pode mais ser penalizado com um mau serviço que custa caro”, disse Melo, em nota sobre o tema.
Pela manhã, enquanto Melo publicava o projeto de lei no site da prefeitura, a Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação da Câmara discutia justamente a situação da empresa.
— A apresentação desse projeto dessa forma e neste momento é um retorno infeliz do governo Melo aos métodos do governo passado (Nelson Marchezan), que apresentava projetos de surpresa, sem qualquer justificativa e análise técnica para pressionar os vereadores. A diferença é que ele teria os 19 votos pela aprovação — avalia a vice-presidente da comissão, Karen Santos (PSOL).
O projeto de lei tem apenas dois artigos e 11 linhas. Determina que a município fica autorizado a “transformar, fundir, cindir, incorporar, liquidar, dissolver, extinguir ou desativar, parcial ou totalmente, a Companhia Carris Porto-Alegrense”.
Procurado por GZH, o diretor-presidente da Carris, Maurício Gomes da Cunha, não quis se manifestar sobre o projeto. Pela manhã, ele esteve na comissão, onde falou sobre os desafios de gestão. Segundo Cunha, a principal dificuldade de empresa está em reduzir suas despesas fixas, mais especificamente salários e combustíveis.
O diretor-presidente diz que praticamente toda a receita da Carris é destinada ao pagamento da folha salarial. Conforme o balanço de 2020, a empresa arrecadou R$ 106,9 milhões no ano e gastou R$ 90,2 milhões em salários, encargos e benefícios — o total de despesas foi de R$ 149,1 milhões. No pré-pandemia, esse balanço foi mais equilibrado: foram R$ 170,9 milhões em receitas e R$ 176,1 milhões em despesas.
Cunha defendeu, ainda, as escolhas da prefeitura em relação à empresa na pandemia, quando a Carris assumiu 19 linhas que eram operadas pelas concessionárias. Conforme o executivo, a estratégia trouxe receita e permitiu manter mais ônibus da frota e funcionários em atividade, já que a Carris, por ser de economia mista, não fez uso das medidas provisórias de afastamento e redução de jornada.
— Recebemos R$ 25 milhões por meio dessas linhas, e foi graças a elas que prescindimos do aporte mensal de R$ 6 milhões da prefeitura em quatro meses deste semestre. O valor só foi utilizado em abril. A partir de junho, vamos precisar do aporte sempre, justamente porque estamos devolvendo essas linhas às concessionárias amanhã (quarta-feira, 16) — explicou.
A Carris possui uma frota operacional de 347 ônibus e detém 22,4% do mercado de transporte de passageiros por ônibus de Porto Alegre. Até semana passada, respondia por 40 linhas. Ela operava no azul até 2009, quando começou a ter problemas financeiros graças a fatores como o crescimento da folha, crises econômicas, problemas de gestão e êxodo de passageiros. Ensaiou uma recuperação entre 2017 e 2019, mas voltou a operar no vermelho com a pandemia.