As luvas de um branco encardido têm manchas verdes na ponta dos dedos. Ainda pegajosas, denunciam o trabalho de Rose Machado no dia anterior.
– Preciso dar a segunda demão hoje, naquele banco ali - aponta a porto-alegrense de 63 anos.
Com o ancinho em punho, e ainda com uma gota da tinta na perna, a operadora de caixa aproveitou a segunda-feira (5) de folga no supermercado para colocar em dia o trabalho na Praça Álvaro Coelho Borges, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. O terreno é vizinho ao condomínio em que ela mora, e da janela de casa Rose tem a vista de suas benfeitorias: flores cultivadas com esmero, escorregador e balanços infantis bem pintados, grama aparada e cachorródromo frequentado por quem vive na região. O cuidado é voluntário.
– Eu fico muito cansada, mas olhar da minha janela as crianças brincando faz tudo valer a pena - justifica.
Amiga de Rose e também moradora do condomínio, a professora aposentada Valquíria Serrano Tubello, 70 anos, diz ter acompanhado as "brigas" da vizinha ao telefone, em dezenas de protocolos abertos às tantas gestões que a cidade teve em quatro décadas – Rose vive no mesmo apartamento há 42 anos. Os pedidos são para solicitar corte de grama, reparo em equipamentos quebrados e troca de sacos das lixeiras.
Durante o período, desde que começou a ir até a praça resolver os problemas por conta própria, sofreu preconceito.
– Dizem que eu não sou dona da praça. Eu respondo que faço por amor ao que é de todos – rebate.
Parte das tintas usadas para recuperar o mobiliário é doada por quem observa o trabalho. O que falta, compra com recursos próprios.
– Isso tudo que ela faz, tem nosso apoio - afirma a advogada Olete Gomes, 75 anos, presidente da Associação dos Amigos e Moradores do Menino Deus (Assamed).
A associação lista inúmeras praças malcuidadas nos arredores. Os locais estão no radar do poder público, segundo a secretária de Parcerias da prefeitura de Porto Alegre, Ana Pellini.
- Queremos deixar Porto Alegre mais bonita e bem cuidada, e devolver aos cidadãos a sensação de pertencimento. Multiplicar exemplos como o da dona Rose – diz a secretária.
O executivo municipal lançou, em 23 de março, uma cartilha que tem o objetivo de incentivar a adoção de áreas públicas por pessoas físicas ou jurídicas. Através do e-mail apoiepoa@portoalegre.rs.gov.br, também podem ser encaminhadas doações de qualquer tipo de material para a manutenção e oferecidos projetos para recuperação de regiões de convivência.
A professora de inglês aposentada Ana Lúcia Mench, 63 anos, bate palmas ao ver Rose na calçada. Diariamente, ela passou a caminhar com seus dois cães, o maltês Myka e a vira-latas Maya.
– Rose é como o sol que ilumina essa nossa praça. Ajuda a trazer as pessoas, local que repõe nossa energia. Antes, isso estava um horror - relembra.
O abandono anterior à intervenção é citado pela técnica de enfermagem aposentada Tereza Áurea Davila, 77.
– Tinha muita sujeira. Agora podemos passar aqui para ir ao supermercado, ou para a feira - compara.
Ao ver móveis descartados em um canto do seu jardim público tratado como particular, a "zeladora" se revolta. No entanto, deixa de reclamar logo em seguida e regressa ao trabalho, observada por quem desfruta do espaço comunitário.