O ritual se repete: de boné, camiseta larga e bermudão, Rhayann Massena da Silva Pereira, 19 anos, cruza a roleta a caminho do trem. Ao menos seis vezes por semana — ou até mesmo de segunda a segunda —, o rapper conhecido como MC Tarts leva aos usuários da Trensurb um duplo serviço, como ele gosta de definir seu trabalho.
— Sou artista e dentista. Tirar o sorriso das pessoas me inspira a voltar no outro dia de manhã e recomeçar a minha luta — afirma.
Semelhante às trovas gaudérias, suas composições são de improviso e têm inspiração pelo que é encontrado ao caminhar pelos vagões: um casal sentado próximo, o cabelo chamativo de alguma pessoa ou um objeto transportado podem ser a base da canção.
A pedido de GZH, o jovem criou alguns versos observando a movimentação próximo à entrada da estação Canoas/La Salle — local onde foi entrevistado pela Rádio Gaúcha, na manhã desta sexta-feira (5).
— Tá passando a moça com uma necessaire, pela cara bonita ela já tomou café. Eu sou gordinho e não podia ser atleta, eu vejo o irmão passeando com a bicicleta — improvisou.
Sobrou até para o apresentador Antônio Carlos Macedo, à frente dos microfones antes do amanhecer:
— Tem que entender, que aqui eu vou dizer, o Macedo acorda antes do galo querer crescer — brincou, arrancando gargalhadas do comandante do Gaúcha Hoje.
Em uma bolsa pendurada sobre o ombro, ele carrega álcool gel, para uso próprio ou para compartilhar com os passageiros. Também transporta uma pequena caixa de som, com a qual trilha as suas rimas.
Morador do bairro Niterói, em Canoas, Tarts encontrou na locomotiva uma forma de circular entre as estações, promover sua arte e angariar recursos para crescer profissionalmente. No aniversário da empresa — a Trensurb comemorou 36 anos de operação no dia 4 de março —, agradeceu o carinho e o respeito dispensado por quem trabalha na empresa:
— O trem pra mim é tudo. Significa uma forma de levar alegria, nesse momento triste de pandemia. E também é meu ganha pão.
No perfil do Instagram @tartsmcoficial, o músico divulga vídeos com a reação do público pelas brincadeiras no trem. As improvisações acontecem também em rodas de conversa, no carro ou enquanto lava a louça, conta e sorri.
O portfólio de apresentações inclui escolas, onde palestrou sobre a transformação a partir da música, churrascos e até festas de 15 anos. A alcunha, MC Tarts, veio a partir do apelido, "Tartaruga", recebido em uma partida de futebol.
— Uma vez eu estava jogando bola e fui cabecear, e parecia uma tartaruga saindo do casco. Aí pra facilitar e ser original, ficou Tarts — explica.
O MC diz não encontrar explicação na facilidade que tem para juntar as palavras com tamanha sintonia, frases que brotam ao natural, "como se tivesse um roteador na mente", compara. Mesmo com a pouca idade, demonstra maturidade ao afirmar que viver da arte, meta ainda não alcançada, demanda responsabilidade:
— Para tudo a gente tem que ter princípios. Seja entregando panfleto na rua, de carteira assinada ou como artista. Eu começo cedo pra chegar no meu sonho.
O músico busca apoio para a gravação de um videoclipe. Entre captação e edição, o custo é estimado em R$ 3 mil.
— Tô juntando cada moeda, todos os dias, pelo meu sonho: gravar um videoclipe. E eu vou conseguir, sempre fui assim, sempre correndo atrás — garante.
As performances começam perto das 9h, por um cuidado: evitar ser um fator de aumento da aglomeração do veículo no horário de pico. A volta para casa ocorre quando já é noite, por volta de 21h.
O jovem, que já foi monitor de festa, garçom, lavador de carros, auxiliar em metalúrgica, entre outras funções, cursa atualmente o Ensino Médio. Para o futuro, almeja a faculdade de Música, mesmo ainda distante pelas dificuldades financeiras. Gravar um álbum e se apresentar para um público sem estar em movimento é o objetivo pós-pandemia.
— Sonho é sonho. Olhar pra trás serve para ver o que a gente percorreu, e saber que não vale a pena desistir — finaliza o artista.
Contatos podem ser feitos pela rede social ou no WhatsApp (51) 9-8537-9477.