Porto Alegre

Mobilidade ativa

Acidentes com bicicletas em Porto Alegre diminuem 10% em relação a 2019, mas pontos críticos reforçam necessidade de melhorias na infraestrutura

Entre janeiro e novembro, a Capital registrou 172 ocorrências envolvendo ciclistas

Bruna Vargas

Mateus Bruxel / Agencia RBS
EPTC quer ampliar malha cicloviária para aumentar a segurança

Para quem utiliza a bicicleta como meio de transporte em Porto Alegre, é possível que algumas das lembranças mais marcantes de 2020 envolvam os episódios de ciclistas intimidados pelo condutor de um Voyage branco, que viraram caso de polícia. Apesar do susto, os números indicam que o trânsito está mais seguro para quem anda de bike na Capital. Entre janeiro e novembro, o número de acidentes envolvendo esse tipo de transporte caiu de 192 para 172 em relação ao mesmo período de 2019, uma redução de 10%. Também houve menos pessoas feridas (173 contra 181) e queda nas mortes (de quatro para três).

– A gente teve uma explosão de ciclistas nos últimos anos. Ter o modal presente na vida das pessoas interfere, a bicicleta passa a ser pauta. A gente evoluiu culturalmente e na questão de infraestrutura – avalia a coordenadora de projetos de mobilidade sustentável da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Alessandra Both.

De 2015 para cá, os acidentes envolvendo ciclistas diminuíram e aumentaram dentro de uma margem pequena, entre 198 (2015) e 155 (2017). O ritmo é acompanhado pelas estatísticas de pessoas feridas e de óbitos nesse tipo de ocorrência, que também variaram pouco. Nos últimos anos, somente 2017 não teve nenhum registro de mortes de ciclistas no trânsito da Capital até o fim de novembro – houve um óbito em dezembro.

Apesar de sugerir certa dificuldade da prefeitura em adotar medidas de impacto significativo na segurança de quem utiliza a bicicleta como meio de transporte, os dados são encarados de forma otimista pela EPTC, por cicloativistas e por especialistas. Na avaliação de ambos, a quantidade de ciclistas nas ruas cresceu a olhos vistos nos últimos anos (não há dados oficiais para mensurar o impacto geral), o que significa que a redução proporcional dos acidentes seria maior do que indicam as estatísticas.

Uma reportagem publicada em maio em GZH mostrou que a procura por bicicletas aumentou em Porto Alegre depois da chegada da pandemia de coronavírus. Nove de 10 lojas consultadas pela reportagem registraram incremento nas vendas de bikes, algumas com números próximos dos 30%.O trânsito mais calmo e as condições desfavoráveis do transporte público durante o distanciamento social são alguns dos fatores que contribuíram para impulsionar ciclistas de primeira viagem.

– O ciclista, por estar em maior número, está sendo mais visto. E a gente está num momento em que a pandemia aponta para a bicicleta como meio de transporte. É muito importante que tenha infraestrutura cicloviária para uma maior a segurança – diz a cicloativista Tássia Furtado, articuladora do projeto Bike Anjo, que ajuda iniciantes a aprenderem a pedalar.

Realizada em 2018, através de uma parceria da organização Transporte Ativo com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em diversas capitais brasileiras, uma pesquisa sobre o perfil do ciclista brasileiro indica que o aumento de usuários em Porto Alegre deu-se, principalmente, a partir de 2013. Entre os entrevistados, quase 70% disseram ter começado a utilizar a bicicleta como meio de transporte nos últimos cinco anos. Mais de 50% do total aderiram à bike em 2015 ou depois. 

Mas se o interesse pela mobilidade ativa cresceu de forma perceptível, a infraestrutura para garantir a segurança de ciclistas e pedestres avança devagar. Mais de 10 anos após a criação do Plano Diretor Cicloviário, que previa 495 quilômetros de faixas exclusivas, a capital gaúcha deve encerrar 2020 com menos de 60 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas.

Segundo a EPTC, o plano inicial era duplicar os 53 quilômetros de faixas existentes no começo do ano. Com as restrições impostas pelo distanciamento social, no entanto, várias obras foram postergadas. Enquanto algumas tiveram execução mais lenta, outras, vinculadas a contrapartidas, sequer começaram. Foram implantados cerca de nove quilômetros, e a meta mais ambiciosa foi adiada para 2021.

Risco nas avenidas 

A demanda por melhorias na estrutura viária também apareceu na pesquisa sobre o perfil do ciclista citada anteriormente. Entre os principais problemas elencados pelos entrevistados de Porto Alegre estão a falta de infraestrutura adequada (42%) e a falta de segurança no trânsito, lembrada pelo mesmo percentual. No mesmo sentido, quando questionados sobre o que faria com que pedalassem mais, a maioria citou mais infraestrutura (54%), seguida de mais segurança/educação (25,7%). 

Se muitas vezes as duas demandas andam atreladas, avançar em questões culturais também é um desafio a ser superado para melhorar a segurança de quem pedala. Segundo a prefeitura, a maior parte dos acidentes com bicicletas envolvem carros, por vezes em alta velocidade – cicloativistas chamam esses episódios de “incidentes”.

O fisioterapeuta Matheus Kowalski, 37 anos, ainda lida com as sequelas causadas por um motorista imprudente meses atrás. Ele terminava um treino na Avenida Edvaldo Pereira Paiva quando foi atingido pelas costas por um Fox vermelho que fugiu sem prestar socorro. Com o ombro fraturado, precisou parar de trabalhar. Faz fisioterapia todos os dias, sem previsão de quando poderá retomar as atividades.

– A gente sempre sabe que tem risco, mas anda com sinalizador, não tem como não ver. Na hora tomei um susto, mas tive muita sorte, porque quebrei só um braço. Imagina se fosse uma senhora, um senhor ou uma criança – avalia. 

Vias como a Edvaldo Pereira Paiva, onde o trânsito é rápido e trafegam veículos de grande porte, como ônibus, requerem atenção em dobro de quem pedala em Porto Alegre. Entre os pontos onde os acidentes foram mais recorrentes em 2020, estão as avenidas Assis Brasil, Bento Gonçalves e Ipiranga, as duas primeiras sem nenhum tipo de segregação para a circulação de bicicletas.

A EPTC diz que há planos para a execução de ciclovia na Bento Gonçalves em 2021, entre a Avenida Ipiranga e o Campus do Vale da UFRGS. Ponto onde houve um acidente com morte, a Avenida Bernardino Silveira de Amorim, na Zona Norte, também deve receber intervenções. 

Também afetadas pela pandemia, ações educativas devem ser retomadas no ano que vem, com foco nos motoristas. Já as atividades com operadores do transporte público, com grande potencial de risco em razão do porte dos ônibus e lotações, devem ficar para mais tarde. 

– Anos atrás houve um treinamento com motoristas de ônibus que estamos pensando em retomar. Queremos moldar uma campanha que envolva taxistas, lotações e ônibus, porque o risco é elevado – diz a coordenadora de projetos de mobilidade sustentável da EPTC.

O analista de mobilidade ativa da WRI Brasil Bruno Rizzon destaca que melhorar a vida do ciclista é necessário por dois motivos. O primeiro é que aumenta a sensação de segurança, fazendo com que mais pessoas sintam-se motivadas a usarem a bicicleta. O segundo ponto, não menos importante, tem caráter didático. Ao demarcar espaço para os ciclistas, o poder público dá visibilidade ao modal, mostrando que ele é importante e precisa ser respeitado.

– Porto Alegre tem índices relativamente baixos de fatalidades no trânsito. Nesses casos, o próximo passo é sempre mais difícil, o ciclista está obtendo seu espaço dentro da cidade. O posicionamento da cidade em priorizar esse usuário é um passo importante, porque mostra que ele existe. A bicicleta é um meio de transporte como todos os outros – diz o especialista, que lembra que a implantação de ciclofaixas deve vir acompanhada de outras mudanças, como a redução dos limites de velocidade dentro da cidade.


GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais
RBS BRAND STUDIO

Vitrola

22:00 - 00:00