A placa que denunciava crimes da ditadura militar afixada no passeio público em frente ao casarão do antigo Dopinho, na Rua Santo Antônio, em Porto Alegre, será reposta no mesmo local em que estava desde agosto de 2015 no prazo de cem dias.
A informação é da promotora Ana Maria Moreira Marchesan, da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, que assinou um acordo voluntário nesta quinta-feira (29) com a moradora do imóvel. Ante o Ministério Público, ela assumiu o compromisso de repor a placa, que deverá ser novamente confeccionada, mantendo as mesmas características e dizeres. Os custos serão de responsabilidade da moradora.
O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krishcke, diz ter recebido no final de julho a informação de que o ponto de fixação da peça na calçada havia sido totalmente coberto por concreto. Sem possibilidade de manuseio ou visualização, não se sabia ao certo se ela havia sido arrancada ou não antes da concretagem.
A promotora Ana Maria, que apurou os fatos em inquérito sigiloso, disse que “a placa anterior estava avariada e foi retirada porque um idoso quase se machucou em razão disso”.
Portanto, conforme a apuração, não houve cobertura sobre a peça. A promotora não fez comentários a respeito da autoria da retirada do objeto — bem público pago com recursos da prefeitura de Porto Alegre.
A instalação da peça fez parte do projeto Marcas da Memória, parceria entre o Executivo municipal e o MJDH. O convênio firmado entre as partes conferia ao município o investimento, enquanto à entidade da sociedade civil cabiam atividades como pesquisa histórica e apontamento de locais a serem demarcados. No total, nove placas estão espalhadas em Porto Alegre para indicar lugares em que ocorreram crimes da repressão. O convênio não existe mais porque seu prazo de validade expirou.
O Dopinho funcionou no casarão da Santo Antônio entre 1964 e 1966, tendo seu fechamento precipitado, diz Krishke, após o estouro do caso das mãos amarradas — o cadáver do sargento do Exército Manoel Raymundo Soares foi encontrado à margem do Rio Jacuí, com sinais de tortura e mãos amarradas às costas. O local era clandestino e abrigava atividades da ditadura militar como prisões políticas, desaparecimentos e tortura.
— O nosso propósito no projeto Marcas da Memória foi anotar indelevelmente para as gerações futuras saberem o que aconteceu ali. Os mais novos precisam saber que houve ditadura, que ela foi cruel e usou da ilegalidade para reprimir. Esse prédio em que funcionou o Dopinho abrigou a primeira experiência de clandestinidade do aparelho repressivo na América do Sul — diz Krishcke.
Já houve plano de transformar o casarão em um centro de memória e de cultura. Em dezembro de 2013, o então governador Tarso Genro e o ex-prefeito José Fortunati participaram de solenidade no local e anunciaram a combinação de esforços para angariar recursos que pudessem pagar aos proprietários a quantia de cerca de R$ 2 milhões, valor de avaliação do imóvel à época. Contudo, a ideia não avançou.
O que dizia a placa retirada da calçada em frente ao Dopinho
“Primeiro centro clandestino de detenção do Cone Sul. No número 600 da Rua Santo Antônio, funcionou estrutura paramilitar para sequestro, interrogatório, tortura e extermínio de pessoas ordenados pelo regime militar de 1964. O major Luiz Carlos Menna Barreto comandou o terror praticado por 28 militares, policiais, agentes do DOPS e civis, até que apareceu no Guaíba, o corpo com as mãos amarradas de Manoel Raymundo Soares, que suportou 152 dias de tortura, inclusive no casarão. Em 1966, com paredes manchadas de sangue, o Dopinho foi desativado e os crimes ali cometidos ficaram impunes”.