À beira de 90% de ocupação dos leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) em Porto Alegre, a capacidade de hospitais em atender pacientes em estado muito grave de covid-19 será colocada à prova nos próximos 30 dias, quando a cidade poderá ter um salto nas infecções em razão de celebração do Dia dos Pais e da reabertura do comércio não-essencial.
De acordo com infectologistas, embora Porto Alegre tenha uma quantidade de leitos adequada em relação à população, essa elasticidade pode ser rapidamente rompida se os casos se multiplicarem. Um estudo realizado por Álvaro Krüger Ramos, professor do Departamento de Matemática Pura e Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estima que as flexibilizações poderão aumentar o contágio em 300% na Capital.
Hoje, Porto Alegre tem a segunda maior taxa de UTIs em relação à população entre as capitais, atrás apenas de Recife (PE), conforme a prefeitura. A informação também consta no levantamento do portal Dataglass, que reúne dados sobre a covid-19 no Brasil. Em Porto Alegre, os 835 leitos nas redes privada e no Sistema Único de Saúde (SUS) correspondem a 56 para cada 100 mil habitantes.
Destes, 260 foram abertos após a pandemia chegar à cidade - até março, eram 575 UTIs. Conforme a Secretaria da Saúde do município, muitos das novas unidades permanecerão à disposição do sistema público. É o caso das 20 UTIs abertas no Hospital Vila Nova, que ampliaram a capacidade de atendimento do local em 10%.
Em Recife, há 67 leitos para cada 100 mil habitantes. As cidades com maior número de óbitos e que estão com regras mais flexíveis para o funcionamento do comércio e dos serviços aparecem abaixo na lista. São Paulo tem 38 leitos por 100 mil e Rio de Janeiro, 48 por 100 mil.
— Os números seriam ótimos se não estivéssemos falando de uma época de pandemia — pondera o chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Eduardo Sprinz. — Se serão suficientes para suportar uma nova pressão do coronavírus em Porto Alegre, isso veremos a partir das próximas semanas — completa.
O cálculo de infectologista é que os resultados das reuniões familiares do último final de semana para comemorar o Dia dos Pais e o aumento de fluxo de pessoas pelas ruas com as flexibilizações para o comércio e os serviços chegará entre 20 de agosto e 10 de setembro.
— Não podemos esquecer que Porto Alegre recebe muitos pacientes da Região Metropolitana e do Vale do Sinos. Na prática, a população que depende dos leitos pelo menos duplica em relação aos moradores da cidade — observa Sprinz.
Conforme o Instituto Butantan, de São Paulo, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) em tempos normais é de 10 a 30 leitos de UTI para cada 100 mil habitantes. Em Nova York, a quantidade de leitos para enfrentar a covid-19 ficou nesta faixa, em 25 para cada 100 mil. Em Wuhan, epicentro da covid-19 na China, existem 24 leitos para o mesmo volume.
O secretário de Saúde da Capital, Pablo Stürmer, avalia que esses indicadores mostram que Porto Alegre está preparada para um eventual aumento na quantidade de internações. Embora a ocupação esteja em 89,9% nesta terça-feira (11), ele afirma que Porto Alegre ainda tem uma capacidade excedente de pelo menos 80 leitos de UTI para caso de necessidade.
— Reforçamos as estruturas de atendimento no hospitais como Clínicas, Santa Casa, Restinga e Divina Providência para dar conta da demanda na pandemia. Não tivemos nenhum óbito na cidade por falta de leito — reforça.
O infectologista Ronaldo Hallal, membro do Comitê da Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, acrescenta que, embora se use os leitos de UTI como indicador para avaliar se a cidade está preparada para enfrentar a covid-19, esse número, isoladamente, não é determinante.
Ele afirma que é preciso levar em conta a quantidade de médicos, enfermeiros, medicamentos e equipamentos para ventilação mecânica e hemodiálise para tratar um volume maior de doentes durante a pandemia.
— Isso tudo não aumenta na mesma medida em que os leitos. É preciso ter uma análise mais ampla sobre a proteção à vida. Porto Alegre está com as condições de atendimento próximas à exaustão, ainda assim a cidade continua dando margem para que o contágio se amplie — afirma Hallal, em crítica à flexibilização das medidas de distanciamento social.