A possibilidade de o Centro Histórico, em Porto Alegre, passar a ter um pedágio urbano — chamado pela prefeitura de tarifa de congestionamento — levantou uma série de dúvidas, além de algumas críticas e elogios ao projeto. Para ajudar a esclarecer o tema, GaúchaZH conversou com o nome à frente da iniciativa: o secretário extraordinário de Mobilidade Urbana, Rodrigo Tortoriello.
O secretário respondeu a 24 perguntas durante 40 minutos de entrevista por telefone, na tarde desta sexta-feira (14). Ele defendeu o projeto, deu detalhes técnicos e reforçou o que pretende transmitir como a ideia principal da iniciativa: "humanizar o centro de Porto Alegre, deixando de ser um espaço para os carros e se tornando um Centro para as pessoas".
O texto deve ser enviado até a próxima semana para a Câmara de Vereadores e prevê pagamento de R$ 4,70 para os veículos que ingressarem no perímetro que compreende a Rua da Conceição, a Loureiro da Silva e a Mauá. O objetivo é baixar a tarifa do transporte público, hoje a mais cara do Brasil.
Só o pedágio diminuiria R$ 1,60 na passagem de ônibus, segundo o cálculo da prefeitura. Outros quatro projetos também devem ser enviados.
Como será feito o monitoramento dos veículos?
De forma eletrônica, por câmeras. Algumas já estão instaladas e outras ainda necessitam de instalação. O sistema lê a placa, assim como é feito no cercamento eletrônico, para questões de segurança.
Quantas câmeras serão necessárias?
Serão 30 câmeras que serão instalados em nove pontos. Alguns terão mais, outro menos. Na Alberto Bins, por exemplo, serão cinco.
Qual o custo?
É baixo. O custo operacional desses sistemas caiu bastante nos últimos cinco, 10 anos. É bem acessível e foi considerado o custo em todas as novas ponderações.
A prefeitura informou que a cobrança será por aplicativo. Na situação de um idoso, alguém que não tenha aplicativo, como será feito?
Ele poderá fazer através de pontos de venda que a gente pretende credenciar, também, em grandes redes parceiras. Vai gerar um crédito e a pessoa poderá ir lá e regularizar. Vai ter um prazo para regularizar. Isso tudo vai sair no decreto de regulamentação. O que estamos fazendo agora é terminar de desenvolver o termo de referência do aplicativo, vendo questões tecnológica, de tempo, para depois regulamentar no decreto.
A cobrança vai ser encaminhada de que forma para a pessoa?
Tem duas situações. Não tem que esperar chegar a cobrança. A pessoa tem que procurar um lugar para regularizar a situação dela, num ponto de venda fixo, efetuando o pagamento pela utilização. Vai botar o número da placa e efetuar o pagamento.
E se a pessoa não pagar?
Aí tem multa. A multa está prevista no Código de Trânsito Brasileiro. Circulação não autorizada em área restrita. A autuação de trânsito será enviada através da placa, chegando na casa pelo sistema do Detran.
Art. 209 Transpor, sem autorização, bloqueio viário com ou sem sinalização ou dispositivos auxiliares, deixar de adentrar às áreas destinadas à pesagem de veículos ou evadir-se para não efetuar o pagamento do pedágio. Multa: R$ 195,23 e cinco pontos na CNH
Os créditos podem ser comprados antecipadamente?
Sim, é a mesma lógica da Área Azul. Você pode comprar com antecedência e a cada vez que passar vai abater na conta. Caso a pessoa não tenha, passa de carro, procura ponto de venda fixo e regulariza a situação. O que dá para antecipar são essas duas formas de pagamento, com cartão de crédito e débito. Facilitar bem a forma de pagamento.
Já se pensou prazo máximo para pagamento?
Estamos ainda fazendo estimativas, mas aguardamos os pareceres da Procuradoria antes de definir e ainda não vamos divulgar.
Carros, caminhões e motocicletas vão pagar a mesma tarifa?
Sim. Diferentemente do pedágio em rodovia, que tem a questão do peso do veículo, pelo dano que pode causar a rodovia pelo tipo de uso, aqui optamos por um preço único para facilitar para todos os cidadãos e um preço que ficasse um valor fácil de ser entendido, para não criar quatro, cinco tarifas diferentes para diversos tipos de veículos.
Quem se desloca até o Centro para buscar atendimento na Santa Casa, por exemplo, terá de pagar também?
Sim, se for de carro privado, sim. A lógica que a gente tá apresentando, eu sei que causa estranheza, porque sempre fomos acostumados a subsidiar o transporte individual sem questionar nada. Por exemplo, nós nunca perguntamos ao seu João, que anda de ônibus, se ele concorda que eu use o recurso do imposto que ele paga, o ICMS, IPTU, supermercado, para sinalizar vaga de estacionamento no Centro. Agora, quando a gente inverte a lógica, "olha, automóvel, eu vou usar o seu recurso para financiar o seu João que nunca teve um carro para que ele possa vir trabalhar mais barato", causa estranheza.
As pessoas que vão trabalhar em outros pontos da cidade, mas precisam passar pelo Centro, vão pagar a tarifa?
Se passar pelo Túnel da Conceição, não. Se usar a Mauá, paga. Acessou a Mauá, da Rua da Conceição para a frente, na área do porto, já pagaria a tarifa.
Transporte de cargas para abastecer mercados pagariam? Como os frigoríficos no Mercado Público?
Sim, vão pagar como qualquer veículo. Isso se for no horário cobrado. Antes das 7h, não.
Com o cenário da pandemia e o estímulo ao home office, somado ao pedágio e a tendência de descentralização das grandes cidades, não há um temor de esvaziamento do Centro?
Ninguém nunca fez essa pergunta para o sujeito que precisa pagar quatro tarifas de ônibus para trabalhar. Acho um argumento e uma pergunta ainda inicial, rasa, ainda que válida. Eu pergunto: o quanto vai aumentar o custo? É significativo para interromper atividade comercial ou uma atratividade de determinada região? Se um estacionamento privado cobra R$ 15 a primeira hora, é muito mais significativo que a tarifa. Se fosse assim, já estaria inviabilizado o Centro. Não estamos propondo o esvaziamento. Estamos propondo para quem vier ao Centro mais espaço nas calçadas, porque poderemos aumentar com a redução do número de veículos, vamos reduzir a poluição e emissão de gases na região central. Essa é a lógica, de uma humanização do Centro. E não concentrar na questão do preço.
Os táxis serão isentos?
Sim, por serem um serviço público. É até um incentivo para uso deste meio.
O senhor citou a Área Azul. O modelo vai ser parecido, com a contratação de uma empresa para administrar?
Vamos contratar uma empresa para instalação dos equipamentos de câmeras, do aplicativo e vamos credenciar estabelecimentos que quiserem vender os tíquetes ou ter lá a conta do app para efetuar a regularização do pedágio, ou melhor, a tarifa.
Com o déficit de vagas no mercado, muitas pessoas encontraram nos aplicativos de transporte um meio de sobrevivência e trabalho. Com a tarifa no Centro para essa modalidade e não para o táxi, pode haver redução do uso dos aplicativos. Vocês consideram isso, também?
Sim. Assim como acontece em vias urbanas com a tarifação, o valor é adicionado no valor da corrida, como acontece na Linha Amarela, no Rio de Janeiro.
Uma pessoa que mora nas proximidades, mas usa o comércio e serviço do Centro, pagaria a tarifa?
Só os residentes do Centro seriam isentos.
E serviço público?
Ambulância, polícia, carros oficiais, também.
O transporte público não satisfaz a expectativa de muitas pessoas e por isso deixam de lado o ônibus. Como resolver isso?
A gente está trabalhando nesse modelo, com o prefeito, para priorizar o transporte público, trazendo eficiência com a priorização da faixa exclusiva, modernizar o sistema através da tecnologia, com aplicativos e a modernização de pagamentos. Temos evoluído nisso. Na questão do conforto, colocamos 98 ônibus novos, 0 quilômetros, na frota da Carris, a maior renovação da história. E, por fim, estamos tratando o preço agora. A gente entende a reclamação. Daqui a pouco precisamos tratar paradas, terminais, limpeza e todos os equipamentos que compõe o transporte público. É um processo evolutivo de melhoria. Um passo de cada vez, com o tamanho das nossas pernas.
E o comerciante do Centro, que depende de clientes de outros bairros para sobreviver?
As pessoas que vem de ônibus comprar aqui nunca deixou de vir por causa da tarifa. Quem compra as coisas não são os carros, são as pessoas, e elas vão escolher a forma de vir até o centro. Quem sabe vão optar por vir de ônibus, por ser mais confortável e favorável? Se essa migração for importante, os comerciantes têm é que comemorar o fato de que estamos possibilitando que pessoas de outras áreas, que não vem hoje ao Centro porque é muito caro vir de ônibus, por exemplo o morador da Restinga, vão ter a oportunidade de vir. É um número maior de pessoas que não são clientes deles hoje.
Impeachment do prefeito na Câmara, eleição e pandemia. Vocês acham que dá para aprovar o projeto com esse cenário?
O apelo que faço aos vereadores é que cada assunto seja tratado pelo tamanho do seu problema. O problema do transporte público e da alta tarifa que existe em Porto Alegre, é um problema que não concerne ao prefeito Marchezan, a mim ou aos vereadores, mas sim a toda a população de Porto Alegre que necessita andar de ônibus e pode ter uma oportunidade de serviço mais barato se tomarmos as medidas que precisam ser tomadas. A importância desse problema para eles é que vai ser o fiel da balança, se vão querer trabalhar nesse assunto ou chegar no momento político oportuno, que nunca chega. Enquanto isso, o cidadão que anda de ônibus continua esquecido e pagando caro para se deslocar.
Qual o objetivo social da medida?
É de democratizar o uso dos espaços urbanos, permitir que a sociedade tenha acesso ao serviço de forma mais barata e humanizar o centro de Porto Alegre. Deixar de ser um Centro para os automóveis e passar a ser um Centro para o porto-alegrense. Essa é a mudança de foco para que o cidadão possa aproveitar a sua cidade de forma mais acessível e barata.
Num cenário realista, trabalhando de maneira ponderada, quando o projeto seria votado e colocado em prática?
A questão da votação depende do calendário da Câmara. Com relação a aprovação da lei, em torno de 90 a 120 dias depois estamos com tudo funcionando.
Quando o projeto será enviado?
Até a próxima semana.