Desta vez sem poderem se manifestar nas galerias da Câmara Municipal em razão da pandemia da covid-19, condutores de veículos de tração humano – os chamados carrinheiros – mais uma vez veem o seu ganha-pão ameaçado. Se não houver fatos novos, entrará em vigor em 11 de setembro a lei que proíbe a circulação dos carrinhos no trânsito de Porto Alegre.
A polêmica começou há 12 anos, quando a Câmara aprovou, pela primeira vez, a extinção gradativa dos veículos de tração animal e humana do trânsito de Porto Alegre ao longo dos oito anos seguintes. Com apoio de vereadores e militantes da causa animal, a medida foi comemorada como uma forma de dar fim aos maus-tratos aos cavalos à frente das carroças.
Na interpretação do vereador Marcelo Sgarbossa (PT), a medida bem intencionada gerou um problema fadado a periodicamente retornar ao plenário do Legislativo:
– Os vereadores quiseram demonstrar que não estavam preocupados apenas com a causa animal, mas também com o bem-estar de quem puxa aqueles carrinhos com a própria força. A questão das carroças tracionadas pelos cavalos foi pacificada, mas restaram os carrinheiros. Problema é que ninguém sentou e perguntou se era daquela forma que elas queriam ser ajudadas: proibindo a profissão deles – interpreta o vereador.
Incluir os carrinheiros no projeto de lei tinha ainda outra intenção nobre: permitir que eles fossem cadastrados e incluídos no programa Todos Somos Porto Alegre, por meio do qual esses profissionais seriam encaminhados a cursos profissionalizantes. O projeto contava com R$ 18 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e empresas parceiras, além de um momento econômico mais favorável.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte, o projeto conseguiu bons resultados enquanto durou, entre 2012 e 2017. As carroças a cavalo foram mesmo extintas e, das 2.646 pessoas cadastradas, 986 concluíram cursos profissionalizantes e 868 migraram a outras atividades remuneradas.
O catador já faz parte da cultura social da reciclagem da cidade, mas hoje ele é obrigado a revirar contêineres antes que uma máquina pegue tudo o que achar, esmague e envie para aterrar em Minas do Leão. Não precisaria ser assim
ALEX CARDOSO
integrante do do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis
Porém, o número é tímido diante da estimativa de que 7 mil pessoas dependam ainda da renda de sucata coletada pelos carrinhos, e um número não mensurado, mesmo encaminhado a outro trabalho, com o tempo retornou a puxar os carrinhos em busca de renda à medida que a crise econômica se acentuou.
Os carrinheiros chegaram a se tornar ilegais no final de 2016, quando o prazo se extinguiu pela primeira vez. Em maio de 2017, uma lei de autoria de Sgarbossa estendeu o prazo até 2020, que agora está prestes a se encerrar. Na ocasião, o prefeito Nelson Marchezan chegou a vetar a lei justificando que cabe somente ao Executivo a regulamentação do trânsito da cidade, mas o veto foi derrubado em plenário diante das tribunas cheias de carrinheiros.
Desta vez, a solução temporária é exatamente a mesma: um novo projeto de lei, em regime de urgência, prorrogando novamente o prazo previsto no texto da lei de 2008 para 2024. O novo projeto, novamente de autoria do petista, pode entrar na pauta da Câmara já nesta quarta-feira (19).
– O que nós queríamos é a revogação da lei, mas os vereadores têm lá suas lógicas. Em vez de proibir, o ideal seriam regularizar. Ter cadastro, uniforme, um carrinho melhor e permissão para fazer essa triagem do lixo. O catador já faz parte da cultura social da reciclagem da cidade, mas hoje ele é obrigado a revirar contêineres antes que uma máquina pegue tudo o que achar, esmague e envie para aterrar em Minas do Leão. Não precisaria ser assim – avalia Alex Cardoso, do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, que atua na Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada.
Se aprovada a prorrogação, Sgarbossa deseja colocar em votação em breve outro projeto nesse sentido: um que, ao aplicar a Política Nacional de Resíduos Sólidos, determine que a prefeitura dê preferência às cooperativas e associações de reciclagem na contratação dos serviços de coleta, processamento e comércio de resíduos recicláveis. Em mais uma demonstração de que o tempo do Legislativo funciona diferente, o projeto tramita nas comissões da Casa desde 2014.