– Este ano até que durou bastante, queimou em fevereiro.
O comentário de um morador de rua sobre um chuveiro dá a tônica do principal uso hoje do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho fora da época do Acampamento Farroupilha. Por alguns meses, o banheiro público às margens da Avenida Edvaldo Pereira Paiva se torna a melhor opção de banho na cidade, em razão da água quente.
Conforme explica um servidor de uma empresa terceirizada que toma conta dos banheiros do parque, às vésperas do Acampamento Farroupilha o chuveiro é consertado para dar conta da demanda dos cerca de 400 piquetes instalados na área. Encerrado o evento, o chuveiro quente permanece como legado à população de rua até queimar novamente. É consertado, então, somente para os festejos do ano seguinte.
Mesmo frio, o chuveiro público tem forte demanda. No final da manhã de quinta-feira (9) em que GaúchaZH visitou o parque, oito corajosos já haviam enfrentado a água gelada mesmo com cerca de 10°C de temperatura. Em um dia ensolarado, chegam a 50.
– A gente só ouve os “ui, ui” lá de dentro – conta a servidora responsável pelo banheiro feminino, consideravelmente mais limpo e menos solicitado.
A má notícia para o futuro do espaço, mais conhecido como Parque Harmonia, é que, em razão da pandemia da covid-19, o Acampamento Farroupilha não ocorrerá em 2020 (e o chuveiro continuará frio). A boa é que a prefeitura de Porto Alegre tem planos ambiciosos para o local. Já está em andamento o edital de concessão do parque para a iniciativa privada. As ofertas para gerir o espaço pelos próximos 35 anos serão conhecidas no final de agosto. Além dos investimentos e da manutenção, a prefeitura pede um valor fixo de no mínimo R$ 200 mil, pago em parcela única, e 1,5% do faturamento anual de eventos realizados no local.
A concessão inclui a administração do trecho 1 da orla da Guaíba – o já revitalizado – pelo mesmo período. A “venda casada” aparenta ter sido estratégica: em troca da gestão da Orla, um xodó da cidade desde a inauguração, o parceiro teria de fazer forte investimento no parque amplo e ocioso do outro lado da avenida. São cerca de 17 hectares, o equivalente a um Parcão e meio, em que na maior parte do ano a estátua solitária de Jayme Caetano Braun vigia dezenas de churrasqueiras de pedra e mesas vazias sob as copas das árvores.
O secretário de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, faz ressalvas:
– Não acho o Harmonia tão osso e nem a Orla tão filé. A orla, por exemplo, presume que os contratos atuais para bares e restaurantes sejam renovados pelos mesmos valores por quatro anos, e prevê um investimento significativo em banheiros. Ao longo de 35 anos, se realizados os investimentos previstos no parque, vejo os dois espaços com potencial bem semelhante.
O plano da prefeitura é que o parque, obedecendo a sua vocação como sede do Acampamento Farroupilha, seja um local que mimetize e represente as diferentes culturas do Rio Grande do Sul. A inspiração é o Poble Espanyol, atração turística de Barcelona, que, em uma área três vezes menor do que o Harmonia, reproduz em 117 edifícios a cultura e a arquitetura dos diferentes povoados da Espanha. Por isso, dos R$ 57 milhões que a prefeitura calcula que o parceiro deverá investir nos três primeiros anos de contrato, quase metade (R$ 26,9 milhões) seriam em “edificações culturais”.
– Não é um lugar que comportaria um show, uma rave, porque não é essa a vocação. Mas nada impede que sedie uma festa de cultura alemã, por exemplo, como uma Oktoberfest – aponta Ribeiro.
Contratualmente, os eventos anuais obrigatórios seriam o Acampamento Farroupilha, o Acampamento Indígena e o Rodeio de Porto Alegre. Outra obrigação é que o parque se mantenha com acesso público.
Não acho o Harmonia tão osso e nem a Orla tão filé. (...) Ao longo de 35 anos, se realizados os investimentos previstos no parque, vejo os dois espaços com potencial bem semelhante.
THIAGO RIBEIRO
secretário de Parcerias Estratégicas
O resto do montante se divide em reformas das estruturas atuais, como a Casa do Gaúcho e o Galpão Crioulo, e reformas estruturais, como drenagem, redes subterrâneas, iluminação e estacionamento que somariam mais R$ 25 milhões. Esse investimento seria uma forte desoneração para a prefeitura. Se desejasse manter o parque em condições “razoáveis de uso”, a estimativa é que o gasto seria de R$ 5 milhões por ano.
– Além de um local aprazível, gostaríamos que se tornasse uma atração perene da cidade. Ao longo dos anos, queremos que os visitantes da orla tenham vontade de atravessar a rua para conhecer o parque, tornando a região toda um complexo turístico – declara o secretário.
Se tudo der certo, a travessia da avenida será motivada mais pelo turismo do que pela água quente dos chuveiros.
Os investimentos:
Nos três primeiros anos, a prefeitura exige investimentos do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho calculados em R$ 57 milhões. O valor é uma estimativa, o parceiro poderá gastar menos contanto que cumpra as obrigações contratuais
- Reforma de banheiros: R$ 329 mil
- Drenagem/saneamento: R$ 8,9 milhões
- Redes subterrâneas: R$ 3,6 milhões
- Iluminação pública: R$ 2 milhões
- Paisagismo: R$ 1,4 milhão
- Caminhos e acessos: R$ 4,6 milhões
- Mobiliário: R$ 557 mil
- Reforma do Galpão Crioulo: R$ 2,3 milhões
- Reforma da Casa do Gaúcho: R$ 2,4 milhões
- Edificações culturais: R$ 26,9 milhões
- Praças: R$ 1,2 milhão
- Estacionamentos: R$ 2,8 milhões