Com o acesso à sua residência alagado e temendo precisar sair às pressas devido ao avanço da água, a professora Sandra Ferreira, 49 anos, deixou o local na noite passada. Na manhã desta sexta-feira (10), ela voltou ao Acesso A, na Ilha do Pavão, mas apenas observou a via submersa.
— Ficou só o meu marido dentro de casa. A situação está precária, como sempre foi. E nunca é feito nada. Queremos uma solução — afirma.
O nível do Rio Guaíba segue em elevação. De acordo com a última medição no Cais Mauá, a régua atingiu 2,32 metros — na noite de quinta-feira estava em 2,12 metros, enquanto o nível considerado regular é menos da metade dessa medição: 1,2 metro.
Sandra é presidente da Associação dos Moradores da Ilha Pavão, uma das áreas mais pobres do bairro Arquipélago — região com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Porto Alegre. Com enchentes recorrentes, a professora reflete o desânimo da vizinhança.
— Todo ano é a mesma coisa. A gente compra ou ganhas móveis, e perde de novo. As pessoas já perderam a vontade de arrumar suas casas — admite.
Às 8h, ela e outras voluntárias iniciaram o preparo do almoço — arroz, feijão e frango com milho — que será entregue a cerca de cem moradores da região. Os produtos são fruto de doações repassadas à entidade.
Na escola em que leciona, no bairro Humaitá, Sandra diz tentar passar uma mensagem de persistência para os alunos.
— Ensino eles a lutarem pelas suas causas. A única guerra que se perde é a que se desiste, digo sempre.
A mesma rua deixada para trás pela professora foi atravessada por Luís Miguel da Conceição, 34 anos. Sem proteção nos pés, o trabalhador da construção civil fez o percurso de chinelo de dedos. Nas mãos, uma garrafa térmica com café preto e uma sacola onde guarda os tênis.
— Levo o calçado na mão, para não molhar. É o que eu tenho para ir pro trabalho — conta, a caminho do bairro Humaitá, onde faz "bicos de reforma", como definiu.
Na Rua Nossa Senhora Aparecida, na Ilha Grande dos Marinheiros, a água se aproximava do vão que passa rente à via. Em um ponto ao lado do Rio Jacuí, o caminho só pode ser feito em pequenas embarcações.
Em busca do auxílio emergencial pago pelo governo federal, Andréia das Graças, 41 anos, foi levada pelo marido, em uma canoa, de casa até o ponto mais próximo da BR-290.
— Eu vou pro Centro tentar o auxílio. Minha reciclagem não tenho como fazer desse jeito — conta.
Paulo Lopes Júnior, 27 anos, vive com a esposa e os quatro filhos. Para tirá-los de casa, colocou o mais velho, de quatro anos, nas costas. O menor, de oito meses, foi levado em uma cadeirinha de transporte.
— Eu gosto daqui, é um lugar calmo, mas essa água tem muita doença, por isso vou sair — conta o morador.
Vivendo desde a infância na ilha, Alexsandro de Menezes Nunes, 32 anos, levou a esposa de barco até um minimercado montado sobre uma palafita. A água não chegou a invadir sua casa, como em outros anos.
— É sempre uma correria. A gente perde as coisas, vai atrás e recupera — diz, confiante, ou calejado, pela situação.