Porto Alegre não estava preparada para a reabertura. Isso é o que aponta um estudo divulgado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, na segunda-feira (22). Além da capital gaúcha, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo também não deveriam ter flexibilizado as regras de distanciamento social por, entre outros motivos, não terem atendido aos seis critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o abrandamento das normas de isolamento adotadas para conter o coronavírus.
O estudo foi feito em parceria com a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape-FGV) e com a Universidade de São Paulo. Foram entrevistadas 1.654 pessoas, por telefone, entre os dias 6 e 27 de maio.
No levantamento foram apontadas todas a políticas implementadas pela prefeitura da Capital desde a chegada da pandemia, em meados de março, até a flexibilização das regras para funcionamento de bares, academias, igrejas e shoppings em meados de maio.
Os pesquisadores não fizeram observações pontuais sobre os problemas identificados em cada uma das oito cidades, contudo fizeram apontamentos gerais, comuns a todos os municípios analisados.
Foi percebido que as localidades não deveriam ter ensaiado o retorno à normalidade devido à escassez de testagem em massa, à inexistência de um programa de rastreamento de contatos e à falta de campanhas permanentes de conscientização e informações sobre sintomas da doença ou caso a pessoa entre em contato com um positivado para o coronavírus.
Faltou testagem e rastreamento em Porto Alegre, afirma especialista
Paulo Petry, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Epidemiologia, faz coro aos resultados da pesquisa britânica. Ele aponta que, apesar do governo estadual e municipal terem agido rápido para conter o avanço da pandemia, ambos falharam na política de testagem em massa e de rastreamento daqueles que voltavam de viagens internacionais.
— Existe uma máxima na epidemiologia que é testar e rastrear os contatos que o positivado para covid-19 estabeleceu. Em Porto Alegre, isso não seria difícil de fazer, porque não somos uma cidade turística. Isso deveria ter sido implementado na cidade lá em fevereiro, quando foi confirmado o primeiro caso da doença no Brasil, já que esse vírus é altamente transmissível — afirma.
O especialista chama a atenção ainda para o fato de que 15% da população de Porto Alegre tem mais de 60 anos, público mais vulnerável à doença, e observa que estamos longe do achatamento da curva de número de infecções desde o momento em que as regras foram afrouxadas:
— Neste momento, nossa curva é ascendente, não há dúvida disso. E esse cenário começou a se estabelecer quando passou a entrar em vigor a flexibilização. A correlação é muito clara: quando relaxamos, os casos aumentaram. Entendo que há pressão política e econômica para a volta da normalidade, mas isso é perigoso. Se caminharmos na direção do afrouxamento, o inverno será duro para nós e o sistema de saúde não aguentará. Temos que esperar, no mínimo, 15 dias para avaliar quais serão os próximos passos.
Se caminharmos na direção do afrouxamento, o inverno será duro para nós e o sistema de saúde não aguentará
PAULO PETRY
Professor da UFRGS e doutor em Epidemiologia
Recomendações do estudo
Campanhas de informação pública: as pessoas entrevistadas, geralmente, não entendem que o autoisolamento significa que você deve ficar em casa sem sair, mesmo para comprar itens essenciais. Os estudiosos acreditam que campanhas de informação focadas nesse ponto podem levar à maior adesão.
Teste e rastreamento: embora reconheçam que os testes tenham aumentado desde que a pesquisa foi realizada, os pesquisadores dizem que o estabelecimento de programas ainda mais robustos de teste e rastreamento de contatos e o esclarecimento sobre os comportamentos adequados para indivíduos que estão em autoisolamento, devem, com o tempo, reduzir a necessidade de adoção de fechamento e contenção rigorosas.
Distanciamento físico nos locais de trabalho: os locais de trabalho devem ser incentivados a implementarem mais plenamente as medidas de distanciamento físico.
Suporte financeiro: a pesquisa orienta a prorrogação do período do auxílio emergencial para além dos três meses, como prevê o governo federal. “Essa política de suporte compensa uma proporção substancial das perdas de renda dessas pessoas que sofreram queda de rendimentos”, destacam.
Educação: estudantes de escolas públicas não estudaram com materiais apropriados para seus níveis de aprendizado tanto quanto os estudantes de escolas particulares. Provavelmente, são necessárias medidas adicionais para compensar a lacuna.