Um ponto simbólico do impacto do último decreto municipal que restringiu a atuação do comércio da Capital como medida de combate ao coronavírus é o encontro da Rua Doutor Flores, no Centro Histórico, com a Avenida Otávio Rocha, onde a via se bifurca, dividida pela Praça Otávio Rocha. Das quatro lojas da esquina, três estavam com as portas fechadas para vendas: Riachuelo, Renner e Casa do Papel – o quarto estabelecimento, um posto de atendimento da operadora de telefonia Claro, não se enquadra nas restrições e estava aberta.
O decreto municipal que proibiu a abertura do comércio considerado não essencial que fature acima de R$ 4,8 milhões por ano, publicado ao final da segunda-feira (15), afetou basicamente as lojas de grande de porte, em sua maioria de vestuário ou eletrodomésticos. Mesmo fechadas, elas mantiveram atendimento para o pagamento de contas, com portas semicerradas. Algumas só permitiam o ingresso para fazer a quitação em dinheiro. Demais pagamentos deveriam ser feitos em totens na parte de fora, em fila com demarcações de distanciamento social.
Embora visualmente não pareça tanto, a percepção dos lojistas remanescentes é de que a medida tem, sim, impacto no movimento do Centro Histórico. E o fechamento dos grandes acaba também prejudicando boa parte dos pequenos, como Priscila Alves, que mantém uma banca no canteiro da Avenida Otávio Rocha.
— Minha venda é toda de oportunidade, então considero uma boa medida de movimento. Se o cliente não passa por aqui, não compra cigarro, cruzadinhas, água mineral. Quando o comércio reabriu, em 20 de maio, consegui voltar a 50% do normal. Hoje, conforme a circulação da manhã, não sei se terei 30% — conta.
De frente uma para a outra, funcionárias da Renner e da Riachuelo que preferiram não ser identificadas reconheciam a menor circulação na região enquanto desapontavam incontáveis clientes, surpresos com o fechamento repentino. Mas tinham opiniões opostas sobre a eficácia de uma restrição tão pontual. Uma das supervisoras da unidade da Renner declarou que, se a loja está aberta, o movimento é invariavelmente muito mais intenso na quadra.
— Quando reabrimos, em 20 de maio, precisava ver como ficou isso aqui. E as pessoas ávidas por comprar. Uma loucura. Principalmente roupas infantis, porque as crianças crescem e estamos em troca de estação. Então ajuda, sim, a acalmar se fechar as lojas grandes — opina.
Já na Riachuelo, a funcionária do lado de fora da porta criticava o impacto da medida que, na sua visão, penaliza quem mais se esforça para cumprir as medidas de segurança:
— O vírus não diferencia comércio informal e formal. Desce uma quadra e vai ali ver como está a Voluntários da Pátria, lotada por causa dos camelôs. Só que dá mais trabalho fiscalizar e coibir aglomeração de quem está irregular. É mais fácil mandar fechar lojas. Fico com pena das funcionárias de comércio, que em casa ficam sem a maior parte do pagamento, de comissões.
Em meio à maioria de lojas fechadas na quadra da Rua Dr. Flores, a Rainha das Noivas seguia aberta. Conforme a gerente, Magda Rizzon, a loja escapou do decreto por se tratar de uma franquia, então, cada unidade corresponde a um CNPJ. Magda percebeu queda de movimento com o fechamento das gigantes vizinhas, mas lamentou que tais medidas sejam necessárias por falta de consciência da própria população.
— Observamos famílias inteiras circulando juntas. Grupos de amigas que você percebe que está na rua só pelo passeio. É complicado. Ontem mesmo impedi que uma cliente entrasse na loja sem máscara e ela me respondeu: “Achei que tu fosse inteligente. Isso aí é tudo política”. Então é assim. Além de tudo, ainda sou chamada de burra, pode? — indigna-se a comerciante.