Quem vive nas região das ilhas que fazem parte de Porto Alegre sofre com o distanciamento causado pela vulnerabilidade social — mesmo que, geograficamente, estejam mais próximas do Centro do que outras regiões carentes.
Boa parte das pessoas vivendo no Arquipélago está em situação irregular, outros, sem um trabalho formal. Assim, um dos principais sustentos vem da reciclagem, perceptível pela quantidade de galpões que se espalham pelas ruas e vielas das ilhas.
Com a pandemia, quem ainda tinha emprego formal fora da ilha corre para manter a carteira assinada. Quem dependia da escola para manter os filhos alimentados se esforça para continuar cuidando dos pequenos em casa. E quem vive da reciclagem sente os efeitos na redução do consumo e, por consequência, queda na quantidade dos resíduos que chegam aos pontos de triagem.
O Diário Gaúcho circulou por dois pontos da Ilha Grande dos Marinheiros, onde muitas famílias dependem do lixo para sobreviver. É o caso de Jéssica Souza Lencina, 32 anos, e de seu marido, Fabiano Gomes, 32 anos. O sustento do casal e dos três filhos, Pedro, 12 anos, Richard, cinco anos, e Nicole, 10 anos, vem do que eles conseguem aproveitar destes materiais.
Só que “o lixo sumiu”, como define Jéssica. Seu marido acrescenta que a carga de resíduos destinados para reciclagem diminuiu cerca de 80% desde o início da crise do coronavírus.
— A gente vive do lixo, mas tem muito menos chegando. Pelo menos, ainda está sendo possível se manter — conta a mãe, no pátio de sua casa, onde é feita a separação dos recicláveis.
Comércio também foi afetado
Com a renda das famílias sendo afetada, quem depende do comércio está se desdobrando para manter a clientela. No lado norte da Ilha dos Marinheiros, Ernesto Prates, 54 anos, mantém um pequeno mercado. Em cerca de 15 minutos de conversa com a reportagem, apenas um cliente apareceu no local. Conforme Ernesto, a situação está assim desde o início da pandemia, mas o comerciante elogia os moradores por tentarem se manter em casa. Ele acredita que a queda no movimento também tem relação com o aumento das doações que estão sendo direcionadas para as famílias carentes da região:
— E isso é bom. É importante que tenham pessoas que ajudem quem precisa. Estou vendendo bem menos, mas sempre sai uma coisinha ou outra, dá para sobreviver.
Para o vendedor de frutas e verduras Carlos Alberto da Silva, 37 anos, os efeitos da crise ainda não são severos. Diariamente, ele roda pela Ilha dos Marinheiros com uma bicicleta especial carregada de frutas e verduras. De casa em casa, vende desde bananas e maçãs até tomates e repolhos.
— Tenho meus clientes fiéis, vendo apenas no dinheiro. Por enquanto, estou conseguindo manter o negócio bem — garante.
Recentemente, os moradores das ilhas protestaram após ficar uma semana sem água. Conforme os entrevistados pela reportagem, depois das reclamações públicas, ainda levaram dois dias para que o abastecimento fosse reestabelecido. Agora, a água segue chegando normalmente as casas. No período sem fornecimento, o Guaíba foi a salvação para lavar roupas, louça, tomar banho e limpar a casa.
— Dalí que tiramos água naquela semana, só para beber que precisávamos comprar — diz a recicladora Jéssica, citada no início da reportagem, apontando para o rio.
Almoço solidário ajuda moradores
Em meio aos problemas enfrentados pelos moradores na região das ilhas, uma boa ação tem se destacado. Diariamente, o Projeto Alimente tem distribuído marmitas em dois pontos da região e em outros locais da Capital. Só nas ilhas, são cerca de 220 marmitas diárias. O projeto criado recentemente tem como objetivo conseguir produzir 45 mil marmitas até junho. Em duas semanas, já foram mais de 11 mil.
Conforme o padre Rudimar Dal Asta, 49 anos, a ação chegou na hora certa. Conhecido no Arquipélago por seu trabalho social, o pároco diz que os últimos dias têm sido intensos.
– É um trabalho desgastante, temos corrido para conseguir atender todas as comunidades. São realidades bem diferentes entre cada ilha. E precisamos olhar e dar atenção para todas — aponta o padre.
Na fila para receber o almoço na sexta-feira, a professora aposentada Vera Regina Silva Lima, 70 anos, diz que a ajuda chegou na hora certa. Numa das mãos, ela segurava um pequeno pedaço de papel com o nome e o número de marmitas para as pessoas que vivem em sua casa: quatro, no total. Na outra, tinha quatro tíquetes para o galeto que será oferecido pela paróquia no domingo — o Projeto Alimente atende de segunda-feira à sábado.
— Busco as marmitas desde o primeiro dia, há umas duas semanas. Vem com arroz, feijão e frango desfiado. A comida é sempre deliciosa — conta Vera.