Humberto Gessinger usou uma paleta de tons vermelhos para escrever Anoiteceu em Porto Alegre, nona faixa do disco O Papa é Pop, de 1990. Para fazer o que ele define como uma "colagem de várias noites vividas na cidade", citou a sinalização para aviões sobre os edifícios, os táxis que tomavam o trânsito, a luzinha do walkman com fita cassete.
— Acho que as pessoas nem sabem mais o que isso (walkman) é, mas foi significante porque tu começou a poder andar pela cidade ouvindo música. Dava para fazer da cidade um videoclipe — comenta Gessinger, que compôs a música à frente do Engenheiros do Hawaii.
Mas o vermelho que inspirou e guiou toda a composição vem do pôr do sol no Guaíba. Que por sua vez levou a um elemento, cinza, na época, que bloqueia a visão dele.
O Muro da Mauá divide opiniões há muito tempo. Construído no começo dos anos 1970, foi projetado para fazer frente a uma enchente equivalente à pior que a região já registrou, em 1941.
— Lembro que minha vó viveu a enchente, e isso virou uma nóia da cidade. O rio, em vez de ser um sinônimo de pôr do sol lindo, acabou quase virando uma coisa da qual a gente tem que se proteger — comenta Gessinger. — O muro tem essa relação dúbia, é uma coisa que nos protege, mas é uma coisa que nos priva também.
Humberto nasceu ali perto, no 4º Distrito. Tem certeza de que a cidade ecoa nas suas músicas, desde sempre.
— Vivi 10 anos no Rio, mas logo que pude, voltei, porque aqui as coisas significam muito mais pra mim. Adoro andar por uma rua onde andei aos sete anos, adoro ver um show num lugar que eu vi quando tinha 19. Porto Alegre é muito importante para a maneira que eu vejo o mundo.
O que Humberto deseja para o aniversário da cidade?
— Cara, eu espero que Porto Alegre seja cada vez mais uma cidade pra todos, não só pra quem tem chance de comprar o que ela tem de melhor.
Anoiteceu em Porto Alegre
Engenheiros do Hawaii
Na escuridão
A luz vermelha do walkman
Sobre edifícios
A luz vermelha avisa aviões
Nas esquinas que passaram
Nas esquinas que virão
Verde, amarelo, vermelho
Espelho retrovisor
Anoiteceu em Porto Alegre
Anoiteceu em Porto Alegre
Na escuridão, só você ouve a canção
Eu vejo a luz vermelha do teu walkman
Sobre edifícios no trigésimo andar
Uma flor vermelha nasceu
Nas esquinas que passaram
Nas esquinas que virão
Há sempre alguém correndo
Fugindo da hora do Brasil
E anoiteceu (Brasília, 19 horas)
Em Porto Alegre (esta é a voz do Brasil)
Anoiteceu em Porto Alegre
Na zona sul existe um rio
Nesse rio mergulha o Sol
E arde fins-de-tarde, de luz vermelha
De dor vermelha, vermelho anil
Atrás do muro existe um rio
Que, na verdade, nunca existiu
Mas arde fins-de-tarde, de luz vermelha
De dor vermelha, vermelho anil