Tem vezes em que a gente só precisa deixar o sol bater na cara, tentando esquecer tudo o que faz mal. E para os apreciadores do rock gaúcho, o alento é maior se fizerem o ritual estirados na grama do Parcão, como manda a letra de Girassóis.
A terceira faixa de Girassóis da Rússia, da banda Cidadão Quem, foi escrita há quase 20 anos por Duca Leindecker. Mas a proximidade do artista porto-alegrense com o Parque Moinhos de Vento é ainda mais antiga. Autodeclarado "guri de apartamento do Higienópolis", Duca tem algumas das melhores lembranças de infância ambientadas no parque. Elas incluem até os tombos sofridos na pista de bike cross que havia ali nos anos 1980.
O músico mudou de endereço algumas vezes, mas sempre foi vizinho do Parcão. Bem como Pinhal (outro sucesso da banda), Girassóis está carregada de memórias:
— As minhas músicas sempre mexem muito com a afetividade, muitas vezes dos lugares. E, normalmente, quando a gente está longe, ou se sentindo meio mal, a gente busca essas lembranças afetivas. Girassóis é uma música que, quando a gente não tá muito legal, vai até um pedaço da natureza, deixa o sol bater na cara e lembra que tem tanta coisa maravilhosa na vida.
Mas nem sempre essa sensação foi boa, e Duca chegou a omitir o Parcão da letra em apresentações. Nos últimos anos, a área verde do bairro Moinhos de Vento foi palco dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), das manifestações a favor da candidatura de Jair Bolsonaro e foi usado por meia dúzia de pessoas que se uniram para um ato a favor do golpe de 1964. Duca é marido de Manuela D'Ávila, que foi candidata pelo PCdoB a vice-presidente de Fernando Haddad (PT) nas últimas eleições presidenciais.
Trocou, por um tempo, Parcão por Redenção — palco de manifestações de esquerda. Mas voltou à letra original recentemente:
— Voltei a cantar Parcão, mais do que nunca. Ele pertence a todos porto-alegrenses, todos têm que ocupar.
Um dos votos que faz à Capital neste aniversário vem nesse sentido:
— Porto Alegre tem muito a nos dar, e a gente a dar pra ela. Tenho a consciência sempre que a gente é parte da cidade, a gente tem que atuar junto da cidade, e ocupar ela, estar nos lugares, aumentando a segurança, inclusive.
É claro, depois que a pandemia de coronavírus passar.
Girassóis
Cidadão Quem
Nunca olhei pros lados
Pra não perder a direção
Nem senti meus passos
Na marcha cega encontro uma razão
Talvez perca o emprego
Talvez a sua resposta seja não
Quero dar um jeito
De conseguir pagar a prestação
De passear na grama do Parcão
De respirar, deitar ao sol que brilha
Deixo o sol bater na cara
Esqueço tudo que me faz mal
Deixo o sol bater no rosto
Que aí o desgosto se vai