O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) pedindo que a remoção de famílias da Vila Nazaré, na zona norte de Porto Alegre, seja interrompida emergencialmente. Entre os argumentos, está a destruição de casas mobiliadas sem fornecimento de alternativa habitacional em meio à pandemia de coronavírus.
O processo é assinado, também, pelas defensorias públicas do Estado e da União e pelo Ministério Público do Estado e foi enviado ao juízo de primeiro grau na quinta-feira (19). Mas, diante da não apreciação do pedido, os autores solicitaram à corte no dia seguinte, em caráter liminar, a imediata suspensão das realocações, com exceção de casos pontuais, como de famílias que prefiram o reassentamento desde que obedecidas regras sanitárias. A desocupação de 1.278 famílias que moram próximas ao aeroporto Salgado Filho ocorre para que a empresa alemã Fraport faça obra de ampliação da pista.
Aos autos foram anexados boletins de ocorrência registrados por moradores, como o de uma mulher que reside há 25 anos no local: "Minha casa foi demolida [...] meus pertences (roupas e R$ 1,2 mil em dinheiro) foram danificados e alguns extraviados. [...] Riam o tempo todo do meu desespero, sem poder fazer nada assistindo à patrola demolir minha casa, foi desumano o que fizeram [...] estou dormindo no carro sem a minima condição". Outra moradora relata que, com o imóvel, perdeu fogão, freezer, microondas, armário, mesa e cadeiras.
"Demolir uma casa com todos os pertences de uma família sem oferecer qualquer solução habitacional em meio a uma pandemia de amplitude global, no âmbito da qual a principal recomendação de autoridades do mundo todo é de que as pessoas permaneçam em casa, ultrapassa qualquer limite imaginável em um Estado Democrático de Direito", argumentam os autores da ação.
Nas linhas seguintes, eles sustentam que, além de expor os próprios trabalhadores destacados para derrubar as moradias, a medida se mostra "absurda" ao colocar em risco pessoas em estado de vulnerabilidade social, idosos e doentes, "afastando-os do local que conhecem e distanciando-os de suas redes de proteção".
– Trata-se de um reassentamento, não de uma reintegração de posse – pontua o procurador do MPF que assina a ação, Enrico Rodrigues de Freitas, observando que ainda não houve despacho do TRF4 sobre o tema.
Para ele, porém, o novo decreto do prefeito Nelson Marchezan, publicado na madrugada de sábado (21), determinando o fechamento de uma série de estabelecimentos em Porto Alegre e impedindo de funcionar o comércio, a indústria, o setor de serviços e a construção civil por 30 dias deve impedir a continuação da ação na Vila Nazaré.
Além das demolições, a comunidade da Vila Nazaré vem enfrentando constante falta de água. Em alguns casos, causada pelos vazamentos decorrentes das demolições. A escassez de água e de outros serviços básicos gera preocupação especial em um momento em que a importância de cuidados básicos de higiene é reforçada pelas organizações de saúde para combater o coronavírus.
— Quando chega, a água é fraca nas casas mais ao fundo da vila. Isso prejudica a higienização das mãos, dos alimentos e das próprias moradias — explica Eduardo Osório, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), entidade que tem acompanhado as atividades no local.
Contrapontos
O Departamento Municipal de Habitação entende que a manifestação do MPF é inaplicável ao trabalho na Vila Nazaré, por não se tratar de "reassentamento compulsório ou forçado e sim consensual". Em nota, o departamento diz que as remoções são "justamente para que, neste momento de pandemia, essas pessoas sejam resguardadas, indo morar em um local com toda a infraestrutura de saneamento e condições de vida saudável" e garante que são tomadas "todas as precauções recomendadas pelas instituições de saúde municipal, estadual e federal". Afirma, ainda, que demolição só é feita "após os pertences estarem no caminhão de mudanças" e o responsável " com a chave da nova moradia disponível".
A Fraport Brasil disse que a desocupação ocorre dentro da legalidade e que "as questões necessárias estão sendo tratadas na justiça".