Com os bilhetes da viagem em mãos, três passageiros exigiam sentar na mesma poltrona de um ônibus que sairia de Porto Alegre rumo ao interior do Rio Grande do Sul. Por um erro humano, o número havia sido vendido ao trio em momentos diferentes. Sem saberem o que fazer, cobrador e motorista tiveram juntos a ideia de acionar o único funcionário capaz de conter ânimos mais exaltados. Sem erguer a voz, o então supervisor de viagens da Estação Rodoviária de Porto Alegre, Jorge Rosa, resolveu a questão em minutos, redistribuindo os passageiros. E o que garantiu o sucesso naquela empreitada, ocorrida há mais de duas décadas, segue como marca registrada do mais antigo funcionário da maior rodoviária do Estado: o sorriso de orelha a orelha.
— Se eu chegar de cara feia numa situação difícil destas, apanho. Para tudo tem uma solução. Então, estou sempre feliz para deixar todo mundo feliz — comenta, Rosa, aos risos.
Foi a necessidade financeira que levou o ex-jogador de futebol profissional — com passagens como atacante pelo Internacional, pelo Cruzeiro de Porto Alegre, pelo Pelotas e por clubes catarinenses, entre os 16 e os 22 anos — a trabalhar no terminal da Capital.
Na primeira vez, com 18 anos, ao final da temporada do Cruzeiro e sem emprego, foi convidado pelos diretores do clube, que também faziam parte da direção da rodoviária, a trabalhar nos guichês de atendimento. Um ano depois, optou por deixar o emprego fixo por uma temporada no Pelotas, onde ganharia mais de 10 vezes o salário anterior. Nos quatro anos seguintes, competiu por clubes gaúchos e catarinenses até perceber que precisava voltar a Porto Alegre. Já casado, Rosa optou pela função que lhe garantiria estabilidade financeira.
No retorno à rodoviária, foi recebido com festa pela direção e nunca mais saiu. Nos anos seguintes, passou por diversas atividades — auxiliar de escritório, balconista, supervisor de passagens, supervisor geral — até chegar a gerente de operações, função exercida desde 2017. Como havia parado de estudar aos 14 anos, quando precisou trabalhar como engraxate para ajudar a família, concluiu o Ensino Médio duas décadas depois.
Morador de Porto Alegre, Rosa tem 65 anos, é casado, tem filhos e netos, mas prefere não comentar sobre a vida pessoal. O único que faz questão de apresentar à reportagem é o filho Marcelo Adi Souza Rosa, 41 anos, funcionário da empresa Planalto no posto de atendimento da rodoviária, com quem divide cafés rápidos nas tardes e conversas sobre a vida, nas horas de folga.
Incansável, Rosa tem uma rotina intensa de trabalho, "porque prefere assim", que inicia ainda no estacionamento da empresa. Ele faz questão de, diariamente, desejar bom dia aos recicladores que atuam na separação dos materiais recicláveis oriundos do consumo na própria rodoviária. Basta colocar o primeiro pé na área para o gerente fazer a alegria da equipe.
— O sorriso chega primeiro que ele. A gente fica até com mais disposição para trabalhar, depois que o seu Jorge passa por aqui — comenta Luciano Carvalho, 45 anos, apoiado pelos colegas.
Entre a estação de recicláveis e a sala do escritório são cerca de 80 metros que, na maioria das vezes, levam mais de 30 minutos para serem concluídos. É que, no caminho, ele acaba sendo parado por funcionários e frequentadores da rodoviária. E dá atenção a cada um deles. Sempre sorrindo.
Dificilmente, Rosa será encontrado na mesa destinada à função. Mais fácil achá-lo nos terminais, orientando ônibus que estão de partida, na área de chegada dos passageiros, onde não se importa de carregar malas, ou, ainda, falando com um dos 40 permissionários instalados no local. Conta com a ajuda deles quando desembarcam famílias inteiras de outras partes do País sem dinheiro no bolso. Perdeu a conta das vezes em que mobilizou colegas e comerciantes para dar destino aos sem rumo.
Munido de um aplicativo capaz de calcular distâncias, o inquieto gerente costuma percorrer seis quilômetros diários dentro da rodoviária, por onde passam, a cada dia, cerca de 16 mil pessoas e partem 480 ônibus.
Nos 90 minutos em que esteve com a repórter e o fotógrafo desta reportagem, na tarde desta quinta-feira (16), fez a dupla o entrevistar caminhando. Só parou quando era interrompido por alguém, precisava tomar água ou havia necessidade de gravar um depoimento e fotografá-lo. Em nenhum momento, Rosa perdeu o fôlego ou o sorriso.
Para o diretor de operações da Veppo, Giovanni Luigi, o colega Rosa tem como marca pessoal a facilidade e a simpatia para entrosar-se com todos: dos passageiros às empresas de ônibus.
— Ele é um misto de um grande chefe e relações públicas. É extremamente relacionado e espontâneo. Foi se refinando com o passar dos anos. É uma história vitoriosa. A empresa tem orgulho de tê-lo como funcionário — resume.
Em 42 anos, Rosa jamais folgou em Natal e Ano-Novo, períodos em que o movimento triplica no terminal. A justificativa vem dos tempos de futebol: ninguém gosta de estar fora no momento do "grande jogo".
— Sempre terá alguém com dúvida e surgirá um probleminha aqui ou ali. Preciso estar por perto. Não canso em dias agitados. Pelo contrário, aprimoro meu preparo físico e o meu psicológico sai legal. Me sinto útil ajudando as pessoas — alega.
A única vez em que ficou 40 dias afastado do trabalho, há 11 anos, foi por motivo de doença. Uma pneumonia deixou Rosa internado por 20 dias e outros 20 em recuperação domiciliar. O homem que respira rodoviária garante ter sofrido nas semanas de ausência do lugar onde, muitas vezes, fica mais tempo do que na própria casa onde mora.
Mesmo aposentado, ele não pensa em deixar o trabalho. Planeja, porém, seguir os conselhos do filho e ir com a família a Garopaba (SC). Marcelo tenta convencê-lo a ter uma semana de descanso. Rosa, porém, segue pensando como atleta e sugere apenas dois dias. Afinal, a temporada de verão é "jogo grande".