Ao longo das últimas décadas, pelo menos duas vezes o poder público cogitou trocar a Estação Rodoviária de Porto Alegre de lugar — ideia que ressurgiu nesta semana, quando representantes da prefeitura e do governo do Estado admitiram estudar a possibilidade e sugeriram duas áreas: a do DC Navegantes ou, como segunda opção, a do atual Terminal 2 do Aeroporto Internacional Salgado Filho.
Em 1996, durante o governo Antonio Britto, o fluxo já estimado em 18 mil pessoas ao dia no local fez com que a Secretaria de Transportes, sob o comando do ex-prefeito Guilherme Socias Villela, reunisse um grupo de trabalho para projetar "a rodoviária do século 21". O projeto não saiu do papel. No governo seguinte, gestão Olívio Dutra, a ideia foi descartada após pesquisas de opinião dos usuários, que se mostraram contrários à mudança. Segundo o então secretário de Transportes à época, Beto Albuquerque, o impacto negativo em "uma região econômica constituída" também pesou no sepultamento da hipótese.
Especialistas consultados por GaúchaZH concordam sobre os problemas do terminal atual. A dificuldade de embarque e desembarque de quem se aproxima da região de carro, os congestionamentos na saída da cidade e a falta de conforto das instalações afastam usuários que poderiam utilizar o transporte rodoviário de ônibus, sobretudo o intermunicipal, se ele fosse mais aprazível. Por isso, o movimento no terminal segue intenso, porém estagnado na casa dos 20 mil usuários ao dia.
—Falta a percepção nas autoridades de que o caminho até a rodoviária é parte da viagem. Seria interesse das companhias de viagens de ônibus atrair um público que hoje prefere viajar de carro do que acessar a rodoviária para uma viagem a outras partes do Estado ou do país — declara o engenheiro civil Rafael Roco de Araújo, professor da Escola Politécnica da PUCRS.
Araújo, todavia, sugere uma possibilidade diferente de simplesmente trocar a rodoviária de local. Propõe que a estação nova, em outro local, focasse em viagens intermunicipais e interestaduais, com facilidade de acesso e estacionamento semelhante ao que hoje se pensa ao projetar um aeroporto. Já a estação atual seria utilizada apenas para integração ao transporte metropolitano, o que atualmente ocorre nos terminais de ônibus do Centro Histórico. Seria uma forma, também, de manter vivos os estabelecimentos comerciais do local. Doutor em Transportes da UFRGS, João Fortini Albano vê a possibilidade com bons olhos:
— É uma ideia interessante que eu não refutaria, que valeria estudar. Esse usuário do transporte metropolitano que desembarca diretamente no Centro talvez não goste de se deslocar até a rodoviária a pé. Mas qualquer mudança em um sistema de transporte acaba prejudicando, mesmo que pouco, algum tipo de usuário — avalia Albano.
Falta a percepção nas autoridades de que o caminho até a rodoviária é parte da viagem. Seria interesse das companhias de viagens de ônibus atrair um público que hoje prefere viajar de carro do que acessar a rodoviária.
RAFAEL ROCO DE ARAÚJO
professor da PUCRS
Sobre as localizações cogitadas pela prefeitura, os especialistas veem como pontos positivos o fácil acesso a rodovias e serem áreas grandes o suficiente para montar estruturas confortáveis e, ao mesmo tempo, não tão distantes das áreas centrais da cidade. Isso se torna ainda mais fundamental, porque Porto Alegre não teria como integrar sua estação a uma linha de metrô, solução encontrada por São Paulo, por exemplo, ao conceber o Terminal Rodoviário Tietê na década de 1980.
Em alguns aspectos, Porto Alegre poderia se espelhar na experiência de Curitiba, cuja estação rodoviária foi reformada como obra da Copa do Mundo 2014, embora tenha sido finalizada em novembro de 2015. O terminal, como pretende fazer Porto Alegre, fica em uma região vizinha, mas não exatamente no centro da cidade. Na capital paranaense, a reforma visou propiciar maior conforto para usuários de viagens a longas distâncias, incluindo destinos internacionais como Argentina e Paraguai. Em determinadas áreas de embarque, o acesso só é possível com passagem comprada, como em um aeroporto.
— É uma medida importante no quesito segurança. Embora fosse bom não ter de recorrer a isso, seria interessante para atrair uma parcela do público que hoje não frequenta a rodoviária — declara Araújo.