Com o prazo para entregar os desfiles se aproximando, uma manobra da prefeitura anda mexendo com os carnavalescos. Depois de alguns anos sem manter laços muito próximos com a comunidade do Carnaval, o prefeito Nelson Marchezan pode dar um aceno positivo aos responsáveis pela festa. Isso porque o titular do Executivo fará, nesta quinta-feira, dia 23, um anúncio público relacionado ao Carnaval.
É quase certo que o tema da fala será uma possibilidade de distribuição de verbas à cadeia produtiva do Carnaval, algo que parecia distante dos planos de Marchezan em outros anos.
O dinheiro viria para incentivar a criação de oficinas de produção e seria direcionado somente as escolas de samba de Porto Alegre. Ou seja, não é um dinheiro que será usado diretamente para os desfiles. Porém, estas oficinas podem ser focadas na produção de materiais que serão utilizados na avenida — uma espécie de benefício indireto aos desfiles.
Procurado pela reportagem, o secretário municipal de Cultura, Luciano Alabarse, confirma que o Executivo dará todo o apoio que for possível no dia do evento com os serviços essenciais, mas faz mistério em relação ao anúncio de quinta-feira.
— Não deixaremos de nos fazer presentes, isto é certo. Sobre a questão das oficinas, o prefeito é quem irá falar — diz Alabarse.
Para as agremiações, toda a verba é bem vinda. Porém, o presidente do conselho da Império da Zona Norte, Rubens Silveira Menezes, trata do tema com cautela.
— Isso aí primeiro tem que ser concretizado, vai depender da boa vontade do prefeito. Mas, qualquer dinheiro é bem vindo no cenário atual. É importante ressaltar que, se vier, é verba para oficinas, não é algo direto para o Carnaval — diz.
O presidente da Imperadores do Samba, Erico Leotti, acredita que a possibilidade de liberação do dinheiro para as oficinas "é uma demonstração de reaproximação do poder público com o Carnaval":
— Temos que saudar se tiver neste ano. Serão oficinas com efeitos práticos, onde ensinamos a fazer itens que poderão ser usados nas alegorias e componentes. É uma maneira de aquecer e fomentar esta cadeia produtiva, retomando o aprendizado de quem ama o ofício do Carnaval, que tem um papel social.
A linha de pensamento de Erico é semelhante a do presidente da Imperatriz Dona Leopoldina, André Nunes dos Santos, que elogia a postura do Executivo, mas critica o atraso na tomada desta decisão.
— Na verdade, isso (dinheiro para oficinas) já deveria ter sido feito. Todas as escolas já fazem as oficinas, mas por conta própria. Se vier, é uma verba que não vai ajudar diretamente o desfile, mas é um início de diálogo, muito atrasado, aliás, da prefeitura conosco. É uma porta sendo aberta num horário errado, mas, pelo menos, está sendo aberta — pontua André.
Escolas de fora da Capital citam desvantagem
Num cenário em que qualquer nota vale muito, um possível repasse da prefeitura para as agremiações gera descontentamento em instituições que são de fora de Porto Alegre, mas que desfilam no Porto Seco. O presidente da Acadêmicos do Gravataí, Anderson Nascimento, recorda que sua escola já está há dois anos sem desfilar — pela não realização em 2018 e a não participação da escola no ano passado —, além de estar se reformulando internamente.
— Essas mudanças estão sendo amenizadas pelo acolhimento que temos na comunidade, que chegou a participar da escolha do enredo. Mas, sem dúvida, quando a prefeitura dá fôlego para alguns, os que não ganharem já partem de trás. O que passo para comunidade é que podemos nos empenhar mesmo assim. Em 2016, por exemplo, mesmo sem recurso, fomos vice-campeões — opina Anderson.
A outra agremiação de fora da Capital é a Império do Sol, de São Leopoldo, no Vale do Sinos. Seu presidente é Alzemiro da Silva. O mandatário está mais tranquilo em relação ao possível repasse para escolas de Porto Alegre:
— Nós estamos trabalhando, embora haja o surgimento desta possível desvantagem. Mas, se alguns terão a verba, nós teremos a garra para superar esta diferença e buscar uma boa colocação no Carnaval.
Dificuldades sem o apoio da prefeitura
Enquanto a prefeitura não se manifesta oficialmente sobre uma retomada nas conversas com carnavalescos, é válido lembrar que desde que o dinheiro público se apartou da festa, o sistema passou por dificuldade. Em 2017, quando Porto Alegre deixou a avenida, foi o prefeito Nelson Marchezan quem fez o anúncio.
Para aquele ano, a festa estaria orçada em R$ 7 milhões, entre os cachês às escolas de samba e a infraestrutura do sambódromo — que incluem arquibancadas, iluminação e sonorização. Por fim, só as escolas do Grupo Ouro desfilaram. No ano seguinte, 2018, em razão da crise que se espraiou no setor, principalmente, pela falta de dinheiro público, não houve nenhum desfile.
E no ano passado, as próprias agremiações se uniram para levar as alegorias para a pista — sem o apoio da Liga Independente das Escolas de Samba de Porto Alegre (Liespa), que acabou por ser extinta. Quem representou as entidades legalmente em 2019 foi a União das Escolas de Samba do Grupo de Acesso de Porto Alegre (Uecgapa). Assim, tanto as agremiações da elite quanto as do grupo Prata e tribos convidadas foram juntas para o Porto Seco.
A Uecgapa foi quem assumiu oficialmente os compromissos para o Carnaval 2020. Mas as escolas do Grupo Ouro já criaram uma nova entidade representativa, a União das Escolas de Samba de Porto Alegre (Uespa). Além dos grupos Ouro e Prata, as agremiações da divisão Bronze e algumas tribos também irão desfilar. Independentemente de qual CNPJ fica responsável pelo contrato, a maior preocupação dos carnavalescos é correr contra o tempo nos menos de 50 dias que restam para os desfiles e não deixar, de jeito nenhum, o samba atravessar na avenida.