A iminente extinção do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf) – que irá rescindir o contrato com cerca de 1,8 mil trabalhadores, em Porto Alegre – tem impactado no atendimento de quem depende do Sistema Único de Saúde (SUS). Após o anúncio, foram 45 pedidos de demissão, em todas os cargos, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Como o órgão está prestes a ser extinto, estas vagas não podem ser repostas.
O problema, é claro, também atinge os médicos: no momento, existem 37 vagas não ocupadas na cidade (seja de profissionais ligados ao Imesf ou não). A prefeitura admite que a situação retomou condição que não era vista há meses nas unidades.
A US Santa Maria, no Rubem Berta, por exemplo, está sem médico há dois meses, conforme a prefeitura. Moradores do entorno dizem que estão sem o profissional há quatro meses. A SMS explica que o posto ficou sem atendimento em virtude de encerramento do contrato de uma das médicas pertencente ao Programa Mais Médicos e da solicitação de remanejo da outra profissional. “Com a decisão acerca da inconstitucionalidade do IMESF, ficamos impossibilitados de (fazer) novas contratações, o que agravou o quadro de déficit”, afirmou a pasta, em nota.
– Houve uma época em que tínhamos dois médicos. Hoje, nenhum. Está muito difícil, principalmente para idosos e acamados, que antes tinham acompanhamento, e agora não têm mais. Além das gestantes, que precisam buscar atendimento mais longe – relata a vendedora Ana Paula Soares Ló, 38 anos.
A US São Vicente Martir, no bairro Camaquã, também está sem médico. A prefeitura explica que a unidade tem apenas uma equipe de saúde da família e que o profissional tirou férias em outubro e não retornou. Porém, o local receberá uma médica, remanejada de outra unidade.
Portas fechadas
Há quase dois meses, a prefeitura fechou uma das unidades de saúde administradas pelo Imesf: a Unidade de Saúde (US) da Vila Gaúcha, no bairro Santa Tereza. O aposentado Darci Campos dos Santos, 69 anos, morador do local há 40, diz que o fechamento aconteceu do dia para noite.
– Nos últimos meses, começou a ter falta de médico. Antes, não tinha. Enfim, não era o ideal, mas para nós estava bom. Agora, temos que ir até o Postão da Cruzeiro para ser atendido – relata.
A SMS diz que o posto tinha uma equipe simples de ESF (médico, enfermeiro, técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde) responsável pelo cuidado de 1.874 pessoas (o recomendado pelo Ministério da Saúde é de 2 mil a 4 mil pessoas cadastradas), e teve a equipe realocada na segunda quinzena de outubro devido a episódios recorrentes de violência na região. A pasta informou, ainda, que estuda outra opção de unidade de referência para a população neste período.
US Moab Caldas é retrato da situação
Sem o posto, moradores da Vila Gaúcha agora buscam a US Moab Caldas, que fica no mesmo prédio do Pronto-Atendimento Cruzeiro do Sul. O problema é que a unidade sofre com o desligamento de profissionais. Com a demissão em vias de ser concretizada, pois a unidade é administrada pelo Imesf, muitos estão buscando novas oportunidades.
Segundo uma funcionária da US que não quis se identificar, a unidade deveria ter oito equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e, hoje, tem quatro, além de uma equipe de Atenção Básica.
– Temos dois médicos concursados que fazem 20 horas cada. Eles são clínicos gerais e não atendem crianças e gestantes. Depois temos um do Mais Médicos e outro de 40 horas. Nos últimos dois meses, dois médicos se desligaram, além de um enfermeiro. A prefeitura ainda mandou os funcionários tirarem banco de horas e férias até o fim do mês – revela.
O pedido para a retirada de banco de horas e férias foi, inclusive, objeto de denúncia do Conselho Municipal de Saúde ao Ministério Público.
Compensação
A SMS diz que muitos profissionais do Imesf ultrapassaram o limite de banco de horas – segundo Acordo Coletivo de Trabalho, o limite de horas geradas pode ser de até 10% da carga horária mensal. “Toda hora gerada deve ser compensada dentro do prazo de três meses a contar do encerramento do ponto do mês em que ocorreu a referida jornada de trabalho. Por isso, o Imesf orientou os trabalhadores a cumprir o estabelecido em acordo coletivo. Em relação às férias, o Instituto está realizando a programação normal, analisando as solicitações que partem dos funcionários”.
Em relação à Moab Caldas, a prefeitura afirma que, no momento, a unidade tem cinco médicos, três deles atendendo crianças e gestantes. Em outubro, um pediu demissão e uma entrou em licença-maternidade. Ainda segundo a SMS, embora a situação não seja adequada, existem unidades com condições mais graves.
Apoio
Servidores dizem que a comunidade está ao lado dos funcionários.
– Eles estão sucateando tudo para depois dizer que está ruim e que precisa privatizar – opina a agente de saúde Adélia Azeredo Maciel, 60 anos, uma das que será demitida.
Para a vigilante Tatiane Cardoso, 35 anos, a unidade, que sempre foi lotada, agora vive dias de superlotação:
– As pessoas antes te atendiam com mais atenção, carinho, mas todo esse terrorismo em cima dos funcionários tira a vontade de qualquer um de trabalhar.
Com a extinção do instituto, a prefeitura planeja contratar organizações para prestar, emergencialmente, serviços em unidades de saúde na Capital. A demissão dos atuais servidores deverá ocorrer após o início dos contratos emergenciais. Atualmente, dos 140 postos da cidade, 77 são administrados pelo Imesf. Um projeto de lei visando a abertura de 864 cargos de agente comunitário de saúde e de agente de combate às endemias já foi encaminhado.