Quem circula pela Avenida Salgado Filho, no centro de Porto Alegre, já deve ter passado, em frente Palácio Itália, quase na altura do Viaduto José Loureiro da Silva, por um carrinho de bolos que parece ter saído do Projac. Muito similar ao usado pela personagem Maria da Paz, interpretada por Juliana Paes na novela A Dona do Pedaço, da Rede Globo, que termina nesta sexta, ele é usado pela boleira Aline Silva, 40 anos. Na trama, a protagonista fundou um império de bolos; na vida real, é a inspiração para uma mudança de vida.
– Eu estava desempregada e com uma ordem de despejo. Assistindo à novela, pensei que poderia fazer alguma coisa, tentar vender bolos e sair daquela situação – recorda.
Para produzir os primeiros bolos, Aline contou com a ajuda de amigos e familiares: alguns doaram farinha e ovos, outros, frutas, chocolate e leite condensado. O suficiente para iniciar as vendas na Praça Dom Feliciano, uma das mais antigas da Capital.
Em pouco tempo, os bolos de sabores tradicionais tornaram-se um sucesso. O faturamento ajudou com as despesas de casa e o sustento de cinco dos seis filhos (o mais velho vive em Novo Hamburgo) e ainda proporcionou a realização de mais um sonho: a compra de um carrinho igual ao da protagonista da novela.
Aline conta que percorreu várias ferragens da cidade em busca do carrinho ideal. O preço chegava a R$ 3,6 mil, muito acima do orçamento dela. Após muita procura, Aline encontrou alguém que fabricasse um exatamente igual ao que ela imaginava e por um valor bem mais acessível: R$ 600.
– Quando o carrinho chegou, fui carregando e oferecendo os bolos pelo Centro. As pessoas, quando me viram, começaram a dizer: "a Maria da Paz chegou!"
Depois de se estabelecer no local e formar clientela, Aline foi surpreendida com a ligação de um agente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams), informando que ela estava em situação irregular e não poderia mais comercializar os bolos na praça.
Sem o ponto, os bolos e a esperança de dias melhores, Aline foi para casa tentando encontrar alternativas para se manter na atividade. A poucos quilômetros dali, uma rede de solidariedade já começava a ser formar para ajudá-la a continuar com o negócio: o síndico do edifício Palácio Itália, Osmar Remião, 73 anos, ficou sabendo por amigos da dificuldade de Aline para achar um novo ponto, e ofereceu uma área na entrada do prédio para que ela se instalasse.
Após duas semanas sem trabalhar, Aline recomeçou no novo local. O carrinho com os bolos chamou a atenção do grande fluxo de pessoas que circula diariamente nas galerias do prédio, e a identificação com a personagem da novela foi imediata – sorriso largo, cabelo preso com lenço, avental e argolas douradas são algumas das semelhanças.
A história de Aline também despertou a curiosidade do comerciante Samuel Silva, 31 anos. Comovido com a luta da boleira para criar os filhos e do desafio diário que ela enfrentava para levar o carrinho até o Palácio Itália, Samuel cedeu uma sala comercial da família que estava vazia, no mesmo prédio. O espaço agora é utilizado para a preparação dos bolos e também para guardar o carrinho.
– Apostei na ideia do negócio, porque dentro de Porto Alegre ela é a única que exerce esse tipo de trabalho na área da confeitaria – afirma Samuel.
Rotina é puxada
A produção de bolos inicia às 7h. Depois de tomar café com os filhos e encaminhá-los para a escola, Aline se desloca até o prédio para escolher os sabores dos bolos e separar os ingredientes necessários. As vendas começam no turno da tarde, por volta das 17h.
Os sabores mais pedidos pelos clientes são goiabada, canela e chocolate. Aline oferta os bolos de duas formas: por fatia, ao custo de R$ 2, ou inteiro, por R$ 15. Em dias de grande movimento, chega a arrecadar cerca de R$ 150.
Em busca de inovação, Aline se inspira na novela e tenta recriar alguns bolos, como o vermelho de morango. Para ela, o ingrediente infalível, que não pode faltar nas receitas, é o amor dos filhos.
– Meus filhos sempre sonharam comigo. Acreditamos juntos que iria dar certo – conta ela.