Na esquina das ruas Murá e Oiampi, na zona sul de Porto Alegre, tem um imóvel que parece de outro planeta — ou, pelo menos, do outro lado do planeta. Pintada de branco, amarelo e vermelho, a Casa Chinesa chama atenção de quem passa por ali há quase sete décadas: foi construída em 1951 por um dos nomes mais famosos do rádio gaúcho à época.
A residência mais excêntrica do bairro Guarujá pertencia a Antonio Amabile (1906-1953), o conhecido Piratini (pronuncia-se Piratíni, tendo a penúltima sílaba como a tônica). Ele tinha grande notoriedade apresentando o programa de calouros Hora do Bicho, mas também foi humorista, cineasta, compositor, fundador Casa do Artista Rio Grandense e empreendedor — era, entre outros, sócio da Joalheria Amabile.
Segundo a história recontada de proprietário a proprietário, com o repassar das chaves, a ideia da arquitetura chinesa a surgiu em uma viagem de Piratini ao Rio de Janeiro, quando conheceu um chinês que prometeu lhe mandar a planta da casa que tinha na terra natal.
Atual morador da Casa Chinesa, o advogado Ricardo Froner, 34 anos, ainda guarda essa planta, em folha amarelada. Seu pai, o engenheiro agrônomo Valquir Froner, que faleceu ano passado, aos 86 anos, comprou o imóvel há mais de 50 anos, inicialmente com a ideia de abrir uma casa de jogos no local. O negócio jamais saiu, então, lá acabou virando a residência de veraneio da família na zona sul — o terreno fica a uma quadra do Guaíba. Há seis anos, Ricardo decidiu morar definitivamente com a família no espaço com três quartos.
A casa tem nas janelas vitrais coloridos com imagens de pescadores e paisagens do país asiático. Tem telhados pomposos, dos quais caem lanternas de luz amarelada que dão um charme especial à noite. Mas para a moradora Maria de Lourdes Froner, 60 anos, mãe de Ricardo, é o jardim a parte mais especial do conjunto.
— É gostosa a vida aqui, esse contato com a natureza.
A dona de casa mesmo que cultiva as orquídeas nas árvores, as bromélias em vasos e corta o gramado que circunda a moradia. A cerca é tomada por malvaviscos e há um tapete de aguapés em um laguinho, que se transforma numa espécie de riacho em frente à residência — onde há também uma pequena estátua de chinês.
Ricardo conta que, volta e meia, alguém para na frente da casa para tirar fotos. Se esperam ver alguém saindo de coque samurai ou quimono, certamente se decepcionam: a família não descende de orientais, e o conhecimento sobre a cultura se restringe a apreciar comida chinesa.
—Se vierem falar mandarim comigo, não saberei nada — ri Maria.