Inaugurada pelo presidente Getúlio Vargas em 1940, a Avenida Farrapos, em Porto Alegre, vive hoje dias de abandono. Mais de cem imóveis estão fechados, para alugar ou vender. Muitos estão visivelmente degradados, com fachadas pichadas, e ao menos uma dezena sustentam vidraças quebradas. Em outros, apenas as paredes seguem em pé.
Na esquina com a Rua Comendador Azevedo, por exemplo, funcionava uma casa noturna. Hoje, uma faixa estendida anuncia a venda do terreno de 3 mil metros quadrados. Quem comprar, terá que colocar a construção abaixo.
— Não tem o que se aproveitar — justifica o corretor do "esqueleto", abandonado há mais de 10 anos, hoje coberto por pôsteres lambe-lambe.
Em outro ponto, a placa que cobre parte da imagem de uma moto esportiva busca um novo proprietário para o prédio onde antes havia uma concessionária japonesa. O fechamento do comércio afetou a lancheria de Egomar Markmann, 50 anos, onde se come uma a la minuta "que dá pra dois" por R$ 15, segundo o proprietário.
— Sem empresa e com essa crise, demiti os funcionários e hoje trabalho só com a família — diz o empresário, que agora aposta na instalação de um grande varejo nas proximidades.
A seguir, confira alguns pontos que contribuem para a degradação da Farrapos e saiba quais são as apostas para que a avenida volte a ser valorizada.
Insegurança
Com 5,5 quilômetros, a Avenida Farrapos cruza os bairros Floresta, Navegantes, São Geraldo, Farrapos e Humaitá, ligando o Centro à Zona Norte. Um trajeto que é percorrido com medo.
O trecho da via que passa pelo Floresta é considerado o mais violento. De janeiro a agosto de 2019, a Brigada Militar (BM) atendeu 458 ocorrências de roubo a pedestres, 67 roubos de veículos e 19 estabelecimentos comerciais alvo dos bandidos no bairro.
— Tem muito usuário que assalta para comprar droga. Uma cabeleireira foi agredida e desistiu, fechou o salão aqui ao lado — afirma Alaor Medeiros, 55 anos, proprietário de uma borracharia.
No ano passado, os índices no mesmo período foram ainda piores: 511 pedestres atacados, 153 veículos roubados e 27 comércios vítimas de criminosos, segundo a BM. Em toda a Capital, quase 18 mil pessoas foram assaltadas nos primeiros oito meses de 2018, número que reduziu 5% em 2019.
No mesmo centro comercial em que está a loja de Medeiros, a assistência técnica de Rejane Tavares, 56 anos, atende com a porta chaveada por causa do medo de novos assaltos.
O comandante do 9º Batalhão da Brigada Militar (9º BPM), responsável pela região, tenente coronel Luciano Moritz, afirma que a Farrapos conta com policiamento em pontos estratégicos e que há brigadianos nos locais de maior ocorrência.
— Há um clamor da comunidade, e por isso estamos com motocicletas fazendo policiamento desde as 6h. Porém, há quem não registre as ocorrências na polícia, o que atrapalha no planejamento de onde devemos empregar mais esforços — explica.
Aluguéis altos
Uma loja de motos que ocupa o mesmo endereço há oito anos vivencia queda na arrecadação nos últimos quatro — a estimativa é de 30%, segundo o proprietário Cledson da Silva, 38 anos.
— Está cada vez pior. Tem muito prédio velho e fechado, o que reduz o número de pessoas que circulam. Mas o aluguel não baixa — reclama o empreendedor, que despende R$ 3 mil por mês para ocupar 150 metros quadrados.
Com baixa no movimento e alta nos aluguéis, muitas empresas têm optado por sair da Farrapos. Foi isso que fez uma companhia de aquecedores e pressurizadores, que conseguiu um imóvel 60% mais barato e está de mudança.
— Não precisamos de dois andares, como é aqui (na Farrapos). Não recebemos clientes e precisamos economizar. Lá (no novo endereço) é só o térreo, espaço para um técnico e um banheiro. E está ótimo — diz a secretária Caroline Lima Zeferino, 29 anos.
O imóvel que será desocupado pertence a Luiz Alberto Machado, 59 anos, que reclama da alta rotatividade dos inquilinos.
— Antes os clientes ficavam mais tempo, agora troca muito. Não passa de um ano. Tem um salão nosso, alugado há 18 anos, que o cliente já está quatro meses atrasado. Tenho medo que saia também — afirma.
No entorno da Rua Conde de Porto Alegre, Moacir Ferreira Costa trabalha sem vizinhos — e quase sem clientes.
— Teve um banco, uma loja de ar-condicionado e, no outro do lado, nunca vi aberto. Agora está assim, vazio. É o pior ano que já tive, parece que a crise não acaba nunca — conta o lojista, que chegou a ter dois funcionários na revenda de motos novas e usadas, mas que hoje trabalha sozinho.
Pesquisa do Sindicato Intermunicipal das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais no RS (Secovi/RS) aponta que, nos últimos cinco anos, o número de salas comerciais disponíveis para locação aumentou 352,4% no bairro São Geraldo, e 122% no Floresta.
A análise de construções para venda é ainda mais assustadora para o mercado. Em 2014 havia uma única casa comercial anunciada em cada um dos dois bairros. Hoje, oito edifícios têm placas de vende-se no Floresta (aumento de 700%), e seis no São Geraldo (aumento de 500%).
Os dados levam em conta imóveis anunciados pelas imobiliárias da Capital entre julho de 2014 e julho de 2019.
Solução apoiada na revitalização do 4º Distrito
Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE), Eduardo Cidade diz que, após a crise econômica, o quadro já está se modificando.
— Os números de emissão de novos alvarás têm um aumento muito significativo na região. Cervejarias e casas noturnas estão se instalando e tem ainda uma infinidade de projetos — afirma.
Dados da prefeitura de Porto Alegre apontam que houve retração na emissão de alvarás de 2011 a 2017, quando 165 empresas fecharam na Farrapos. Em 2018, a abertura de empresas na avenida superou as baixas pela primeira vez na década, com 49 novas licenças e 22 fechamentos.
— É um bairro a ser muito explorado. Afirmo, sem dúvidas, que os investimentos em 2019 vão superar a casa dos R$ 200 milhões — estima Cidade.
— Ainda tem quem não acredite e olhe com receio para a região. A Farrapos vai voltar a crescer logo. Alguns acham que vai levar entre 10 e 15 anos, mas eu creio que vai virar em pouco tempo — diz Lucas Golbert, sócio de uma empresa de investimentos imobiliários.